Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
85.ª Sessão Ordinária
Banjul, de 7 a 30 de Outubro de 2025
Relatório entre Sessões
Apresentado pela Ilustre Comissária Janet R. Sallah-Njie
Relatora Especial sobre os Direitos das Mulheres em África
INTRODUÇÃO
1. Nos termos do n.º 3 do Artigo 25.º e do Artigo 64.º do Regulamento Interno (2020) da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (doravante, “a Comissão”), e em conformidade com a Resolução CADHP/res.38 (XXV) 99, de 5 de Maio de 1999, tenho a honra de apresentar o presente Relatório, na qualidade de Relatora Especial sobre os Direitos das Mulheres em África (SRRWA). O presente documento contém igualmente um resumo das diligências por mim empreendidas, enquanto membro da Comissão, durante o período em análise.
PARTE I: ACTIVIDADES REALIZADAS ENQUANTO COMISSÁRIA
A. 84.ª Sessão Ordinária Virtual
1. ntre os dias 21 e 30 de Julho de 2025, participei na 84.ª Sessão Ordinária (Privada) da Comissão, convocada virtualmente para a análise de comunicações, relatórios pendentes e demais assuntos relevantes.
PARTE II: MONITORIA DE PAÍSES
A. Djibuti, Burundi, República Democrática do Congo, Angola, Libéria, Gâmbia
Carta conjunta de Elogio e Comunicado de Imprensa pela assinatura da Convenção da UA sobre o Fim da Violência contra Mulheres e Raparigas (AUCEVAWG)
2. A 15 de Julho de 2025, em conjunto com os Relatores Nacionais dos referidos Estados, dirigi uma carta conjunta de elogio e emiti um comunicado de imprensa, enaltecendo Djibuti, Burundi, República Democrática do Congo, Angola, Libéria e Gâmbia pelo seu compromisso demonstrado através da assinatura da AUCEVAWG.
B. República Centro-Africana
Carta conjunta de Elogio pela ratificação do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África
3. A 31 de Julho de 2025, conjuntamente com o Relator Nacional para a República Centro-Africana (RCA), dirigi uma carta de agradecimento, louvando o Governo da RCA pela ratificação do Protocolo de Maputo. A RCA tornou-se o 46.º Estado a proceder à referida ratificação, assinalando um marco significativo no processo de universalização do referido instrumento jurídico.
C. Gâmbia
Informações a título amicus curiae apresentado ao Tribunal Supremo da Gâmbia
4. Em colaboração com o ACERWC e a Associação de Mulheres Advogadas da Gâmbia (FLAG), e com o apoio técnico do Centro para os Direitos das Mulheres da Universidade de Pretória, apresentei um pedido de informações a título amicus curiae ao Tribunal Supremo da Gâmbia, no âmbito de um processo que contestava a constitucionalidade da impugnação da proposta de alteração à Lei das Mulheres da Gâmbia, que criminalizava a prática da Mutilação Genital Feminina (MGF).
Carta Conjunta de Recurso
5. A 14 de Agosto de 2025, na minha qualidade de SRRWA, conjuntamente com o Relator Especial sobre Uniões Prematuras e Outras Práticas Nocivas, bem como com o Relator Nacional da Gâmbia junto do Comité Africano de Peritos sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança (ACERWC), interviemos, através de um recurso urgente, junto do Governo da Gâmbia, na sequência do falecimento de uma bebé de um mês de idade, em virtude de complicações resultantes da prática de Mutilação Genital Feminina. Na referida carta, instámos o Governo a proceder à realização de uma investigação célere, imparcial e exaustiva sobre as circunstâncias da morte da criança, e a assegurar que os responsáveis sejam devidamente responsabilizados nos termos da Lei das Mulheres (Alteração) de 2015.
D. Malawi
6. A 14 de Agosto de 2025, em conjunto com o ACERWC, apresentei uma mensagem de condolências pelo falecimento da Chefe Theresa Kachindamoto. A declaração sublinhou que o seu legado permanecerá vivo e expressou as mais sentidas condolências à sua família, amigos e a todos quantos lamentam a sua perda.
E. Ghana
7. De 29 de Setembro a 2 de Outubro de 2025, na minha dupla qualidade de Relatora Especial sobre a Violência contra as Mulheres e Relatora do País para o Gana, participei, juntamente com o Presidente do Comité para a Prevenção da Tortura em África, o Grupo de Trabalho sobre Indústrias Extractivas, Meio Ambiente e Violações dos Direitos Humanos, o Relator Especial sobre Prisões, Condições de Detenção e Policiamento em África, e o Grupo de Trabalho sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, numa missão promocional ao Gana. A missão teve por objectivo recolher informações sobre a implementação da Carta Africana e dos seus Protocolos, com vista a incentivar e apoiar o Estado nos seus esforços para cumprir os compromissos assumidos no âmbito desses instrumentos jurídicos regionais.
PARTE III: ACTIVIDADES ENQUANTO RELATORA ESPECIAL SOBRE OS DIREITOS DAS MULHERES EM ÁFRICA
A. Fórum Internacional sobre Mulheres, Paz e Segurança, Prishtina, República do Kosovo
8. Nos dias 2 e 3 de Junho de 2025, tive igualmente a honra de participar numa Conferência sobre Mulheres, Paz e Segurança, que se realizou no Kosovo, a convite de Sua Excelência Dra. Vjosa Osmani-Sadriu, Presidente da República do Kosovo. Tive a oportunidade de intervir no Painel subordinado ao tema “A Crise Silenciosa: Saúde Mental na Agenda Global de Segurança”, onde partilhei reflexões sobre o papel da Comissão na abordagem dos desafios relacionados com a saúde mental em contextos afectados por conflitos
B. Segundo Retiro Conjunto entre o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos e a Comissão
9. Nos dias 2 e 3 de Junho de 2025, participei no Segundo Retiro Conjunto entre o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos e a Comissão, centrado na elaboração de Directrizes para a implementação da complementaridade entre o Tribunal e a Comissão. O encontro procedeu, igualmente, à análise dos progressos alcançados desde o Retiro de Adis Abeba de 2022, tendo sido adoptadas medidas concretas para o aprofundamento da colaboração entre os dois Órgãos
C. 7.ª Reunião GIMAC/RECs e Parceiros
10. No dia 11 de Junho de 2025, participei na 7.ª Reunião GIMAC/RECs e Parceiros, realizada em Malabo, subordinada ao Tema do Ano da União Africana: “Justiça para os Africanos e as Pessoas de Descendência Africana, através de Reparações”. Apresentei uma comunicação intitulada Transformar a Política em Acção: Avanços na Justiça de Género e Reparações para Africanos com as Comunidades Económicas Regionais, com enfoque no papel da Comissão Africana.
D. Mulheres na Liderança Jurídica
11. De 14 a 16 de Julho de 2025, a convite da FEMNET, participei na Conferência Mulheres na Liderança Jurídica, realizada em Nairobi, sob o lema “Mulheres na Vanguarda da Justiça nos Continentes”. Proferi uma declaração sobre o Fortalecimento da Liderança Intergeracional das Mulheres no Sistema de Direitos Humanos da União Africana, tendo aproveitado a ocasião para sensibilizar os participantes sobre o papel da Comissão Africana, em especial do mecanismo da SRRWA, na promoção da liderança intergeracional das mulheres
12. À margem da referida reunião em Nairobi, mantive encontros com Organizações da Sociedade Civil que trabalham na área dos direitos das mulheres, e efectuei uma visita de cortesia à Secretária Permanente do Ministério do Género e à Sua Excelência Ministra do Género. Durante essas interacções, aproveitei para sensibilizar sobre a necessidade urgente da ratificação da Convenção da União Africana sobre o Fim da Violência contra Mulheres e Raparigas (AUCEVAWG)
E. Actividades no Âmbito da Plataforma EDVAW
24.ª Reunião da Plataforma EDVAW
13. No dia 13 de Junho de 2025, participei e presidi à 24.ª Reunião da Plataforma EDVAW. Os membros da Plataforma procederam a uma análise exaustiva das actividades anteriormente realizadas, acordaram um calendário provisório e abordaram questões pendentes, com vista a assegurar uma coordenação eficaz entre os mecanismos participantes.
Reunião da EDVAW com Mecanismos de Direitos Humanos Não Independentes
14. No dia 1 de Julho de 2025, participei numa reunião organizada pela Plataforma EDVAW, destinada à consulta de mecanismos de direitos humanos não independentes (ASEAN, Liga dos Estados Árabes, OCI, OSCE, CCG, CEI, Commonwealth). As discussões incidiram sobre o reforço da colaboração para a promoção dos direitos das mulheres a nível global, culminando em compromissos para uma cooperação mais estreita entre os mecanismos.
Reunião da EDVAW sobre Mulheres, Paz e Segurança
15. No dia 3 de Julho de 2025, participei numa reunião da Plataforma EDVAW sobre Mulheres, Paz e Segurança, que proporcionou um espaço de diálogo para ONGs e outras partes interessadas, visando a partilha de perspectivas sobre os desafios globais e regionais relacionados com as mulheres, a paz e a segurança.
F. Seminário sobre a Ratificação dos Tratados Africanos
17. No dia 23 de Julho de 2025, realizei uma palestra virtual sobre o Protocolo de Maputo, durante o Seminário sobre a Ratificação dos Tratados Africanos, organizado pelo Instituto Africano de Direito Internacional. A minha intervenção abordou o contexto histórico do Protocolo, as suas disposições progressistas, os mecanismos de monitoria e os instrumentos jurídicos não vinculativos conexos.
G. Reunião de Validação sobre a Situação das Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos
18. No dia 24 de Julho de 2025, participei e proferi o discurso de abertura na Reunião de Validação do Relatório Actualizado sobre a Situação das Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos, organizada pelo Centro Africano para Estudos sobre Democracia e Direitos Humanos (ACDHRS), em Banjul, Gâmbia.
H. Formação sobre Participação e Engajamento com a Comissão Africana
19. No dia 29 de Julho de 2025, fui representada numa sessão de formação sobre a participação e o engajamento com a Comissão Africana, organizada pelo ACDHRS em Banjul, Gâmbia, tendo sido proferidas observações iniciais em nome da SRRWA.
I. Quinta Sessão Ordinária da Sexta Legislatura do Parlamento Pan-Africano
20. No dia 1 de Agosto de 2025, participei na Quinta Sessão Ordinária da Sexta Legislatura do Parlamento Pan-Africano, realizada em Midrand, República da África do Sul, onde apresentei uma comunicação sobre a
AUCEVAWG.
J. Encontro Regional sobre Litígios em Matéria de Justiça Reprodutiva
21. De 5 a 8 de Agosto de 2025, participei na Reunião Regional sobre Litígios em Matéria de Justiça Reprodutiva, organizada pela Afya Na Haki, em Uganda, subordinada ao tema do encarceramento e dos direitos de saúde sexual e reprodutiva (DSSR) em África. Fiz um discurso de abertura, destacando a criminalização da autonomia corporal, os quadros normativos existentes e o papel do contencioso estratégico na resistência a tais práticas. Participei igualmente num painel de discussão sobre Resistência à Regressão Normativa através de Instrumentos Jurídicos, onde partilhei quadros normativos relevantes e discuti formas de mobilizar os mecanismos da Comissão Africana para contrariar normas regressivas.
22. À margem da reunião supracitada, efectuei visitas de cortesia aos Ministros do Género e da Justiça de Uganda. Durante essas interacções, aproveitei para sensibilizar sobre a necessidade urgente da ratificação da
AUCEVAWG.
K. Visita de Cortesia à Ministra do Género da Gâmbia
17. No dia 1 de Agosto de 2025, efectuei uma visita de cortesia à Senhora Ministra Fatou Kinteh, titular da pasta do Género da Gâmbia, com o propósito de agradecer, em nome da Comissão, ao Governo da Gâmbia pela conquista histórica de se tornar o segundo Estado a assinar a AUCEVAWG. Aproveitei igualmente a ocasião para advogar pela ratificação da referida Convenção, tendo recebido um firme compromisso por parte do seu Ministério no sentido de priorizar a ratificação acelerada por parte da Gâmbia.
L. Reunião Pós-Adopção da AUCEVAWG
18. No dia 28 de Agosto de 2025, em colaboração com a Direcção da Mulher, Género e Juventude da Comissão da União Africana e com o Gabinete da Enviada Especial para Mulheres, Paz e Segurança, convoquei uma reunião logo após a adopção da AUCEVAWG. O encontro reuniu especialistas na matéria e os redatores da Convenção, com vista a contribuir para a elaboração do Roteiro Pós-Adopção, actualmente em fase de preparação.
M. Seminário de Validação do Estudo Conjunto sobre os Desafios da Litigância dos Direitos das Mulheres e Raparigas perante os Órgãos de Direitos Humanos da União Africana
19. De 23 a 24 de Setembro de 2025, em parceria com o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, através do Projecto AWARE da GIZ–União Africana, e com a Ipas Africa Alliance, foi realizada um seminário de validação, à porta fechada, em Acra, Gana, relativa ao Estudo Conjunto sobre os Desafios da Litigância dos Direitos das Mulheres e Raparigas perante os Órgãos de Direitos Humanos da União Africana. O seminário reuniu representantes dos Órgãos de Direitos Humanos da UA, nomeadamente a CADHP, o AfCHPR e o ACERWC, bem como membros do Grupo Técnico de Referência do estudo e representantes de parceiros seleccionados e partes interessadas chave.
N. Seminário Continental para a Promoção dos Direitos Socioeconómicos das Mulheres, Incluindo no Contexto das Indústrias Extractivas
20. De 25 a 26 de Setembro de 2025, em parceria com o BMZ, através do Projecto AWARE da GIZ–União Africana, e com a Ipas Africa Alliance, foi realizada um seminário continental de dois dias em Acra, Gana, com o objectivo de promover os direitos socioeconómicos das mulheres, incluindo no contexto das indústrias extractivas. O seminário visava sensibilizar sobre os direitos socioeconómicos das mulheres, incluindo mulheres nas indústrias extractivas, mulheres com deficiência, mulheres idosas e mulheres jovens, abordando questões sistémicas e estruturais que perpetuam violações desses direitos, com especial enfoque na educação, saúde e protecção social.
O. Advocacia para a Ratificação Universal/Continental dos Protocolos sob Monitoria da CADHP
21. De 27 a 28 de Setembro de 2025, participei na actividade emblemática da Comissão, realizada em Acra, Gana. A reunião teve como objectivo promover a ratificação universal dos principais instrumentos de direitos humanos, sensibilizar sobre a sua importância na protecção dos direitos em todo o continente, identificar desafios nos processos nacionais de ratificação e desenvolver estratégias práticas para acelerar o progresso.
P. Reunião de Arranque para a Elaboração de Directrizes sobre a Eliminação da Violência Obstétrica e Promoção dos Cuidados Maternos em África
22. No dia 5 de Outubro de 2025, participei na reunião de arranque para a elaboração das Directrizes sobre a Eliminação da Violência Obstétrica e Promoção dos Cuidados Maternos em África, realizada na Cidade do Cabo, África do Sul. A reunião foi convocada pelo Centro para a Justiça Reprodutiva, parceiro que apoia a SRRWA e o Grupo de Trabalho da CADHP sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais em África, na elaboração das referidas directrizes.
Q. Reunião Consultiva entre a CADHP e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
23. No dia 7 de Outubro de 2025, participei na reunião consultiva acima referida, convocada pelo Centro para os Direitos Reprodutivos e pela Iniciativa Internacional para o Parto Humanizado, na Cidade do Cabo, África do Sul. A reunião proporcionou uma plataforma para a partilha de experiências e desafios sistémicos enfrentados por obstetras, ginecologistas e parteiras na prestação e promoção de cuidados maternos respeitosos, a nível global, e para a recolha de recomendações visando a promoção de cuidados maternos de qualidade e respeitosos.
PARTE IV: BREVE VISÃO GERAL DA SITUAÇÃO DAS MULHERES E RAPARIGAS EM ÁFRICA
A. Desenvolvimentos
24. Durante o período entre sessões, observei os seguintes desenvolvimentos e preocupações relativamente à situação das mulheres no Continente:
25.º Aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas
25. A celebração do 25.º aniversário da RCSNU 1325 sobre Mulheres, Paz e Segurança (MPS) constitui uma oportunidade crítica para reflectir sobre os progressos alcançados e os desafios persistentes na promoção dos direitos, da participação e da protecção das mulheres africanas em contextos de conflito e fragilidade. Ao longo das últimas duas décadas e meia, África deu passos significativos para fazer avançar esta agenda, tanto a nível regional como nacional. Diversos Estados africanos demonstraram empenho na Resolução mediante a elaboração e implementação de Planos de Acção Nacionais (PANs), com vista à localização da agenda MPS. Países como a Nigéria, o Quénia, o Uganda, a África do Sul, a Costa do Marfim, o Mali e a República Democrática do Congo, entre outros, adoptaram PANs que integram perspectivas de género nas estratégias de consolidação da paz, defesa e segurança.
26. Não obstante estes avanços, constato que a concretização plena da RCSNU 1325 permanece aquém do ideal para milhões de mulheres e raparigas africanas. As mulheres continuam sub-representadas nos processos formais de paz e nos cargos de tomada de decisão de alto nível nas instituições de segurança. Em muitos casos, as suas contribuições para a consolidação da paz são informais e insuficientemente reconhecidas, carecendo de visibilidade política e de apoio financeiro adequado para sustentar o seu trabalho. A persistência da violência sexual e baseada no género (VSBG) nas zonas de conflito – incluindo violações em massa, casamentos forçados, tráfico e exploração – continua a constituir uma crise grave para mulheres e raparigas. Em regiões como o Sael e o Corno de África, estas são deliberadamente usadas como táctica de guerra, enfrentando estigmatização, sistemas de apoio inadequados e mecanismos de justiça deficientes.
27. Além disso, a implementação dos quadros MPS continua a ser dificultada por diversos desafios sistémicos, nomeadamente: financiamento insuficiente para os PANs, coordenação limitada entre órgãos governamentais, mecanismos fracos de monitoria e responsabilização, bem como persistência de normas patriarcais que consideram a segurança como domínio masculino. A insegurança e as respostas militarizadas aos conflitos frequentemente encerram os espaços cívicos, colocam em risco as mulheres defensoras dos direitos humanos das mulheres e restringem a participação das mulheres na base nos processos de paz.
Reacção Global contra os Direitos das Mulheres e Impactos nas Mulheres Africanas
28. A reacção global contra os direitos das mulheres está a provocar um impacto severo e desproporcionado nas conquistas arduamente alcançadas em África, configurando uma ameaça complexa que reverte activamente os progressos no empoderamento da mulher. O efeito mais imediato e prejudicial consiste numa redução drástica do financiamento internacional destinado às organizações de mulheres e aos serviços essenciais, resultante de cortes significativos na ajuda externa e na assistência ao desenvolvimento por parte de países doadores, incluindo os Estados Unidos da América e várias nações europeias. Esta restrição financeira representa uma crise grave para a sociedade civil, sendo que a ONU Mulheres reporta que quase metade das organizações lideradas por mulheres e defensoras dos direitos das mulheres nos corredores humanitários – particularmente prevalentes em África – poderão ser forçadas a encerrar, caso persistam os cortes de financiamento.
29. Para além da vertente financeira, esta reacção global é alimentada por redes interligadas que promovem agendas anti-feministas e anti-género, frequentemente dotadas de recursos superiores aos dos movimentos feministas que procuram enfraquecer. Esta ofensiva retórica visa deslegitimar o trabalho das organizações da sociedade civil, apresentando os avanços – como a educação das mulheres ou a sua independência económica – como ameaças às normas tradicionais. Tal fenómeno é visível, por exemplo, na República Democrática do Congo, onde o empoderamento feminino é frequentemente associado a estereótipos negativos. Em última análise, esta reacção global configura não apenas um desafio ideológico, mas também uma crise financeira e política que está a desmantelar activamente a capacidade institucional das organizações de mulheres africanas, bem como a deteriorar os serviços de protecção, incluindo os de saúde, apoio à VSBG e empoderamento económico, essenciais para a salvaguarda dos direitos humanos das mulheres e raparigas em África.
Crise de Insegurança Alimentar
30. Constato com preocupação que a edição de 2025 do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” apresenta um quadro inquietante, particularmente para o continente africano. Embora as tendências globais relativas à fome revelem alguma melhoria, diversos países africanos – especialmente na África Austral – enfrentam uma inversão preocupante. Choques climáticos, instabilidade económica e conflitos continuam a alimentar esta crise, cujas consequências são profundamente marcadas pelo género. Em países como o Malawi, Moçambique, Zâmbia e Zimbabwe, onde secas prolongadas e precipitações irregulares destruíram colheitas e perturbaram os sistemas alimentares, são as mulheres e raparigas que mais sofrem.
Acesso aos Direitos de Saúde Sexual e Reprodutiva (DSSR)
31. Em África, o acesso aos DSSR permanece um desafio significativo, sobretudo para mulheres residentes nas zonas rurais e para as deslocadas em virtude de conflitos ou desastres climáticos. Em contextos frágeis e propensos a conflitos, o acesso à informação e a serviços de SSR de qualidade de qualidade constitui um desafio acrescido, tanto mais que as necessidades são mais prementes, uma vez que as mulheres e as raparigas se encontram, com maior frequência, expostas a situações de VSBG. Uma preocupação recorrente prende-se com a insuficiência do financiamento das organizações humanitárias e defensoras dos direitos das mulheres. Muitas destas entidades, que se encontram na linha da frente na prestação de serviços essenciais de SSR, correm o risco de encerrar devido a cortes de financiamento. Tal situação ameaça inverter os progressos arduamente alcançados, particularmente num contexto em que as necessidades humanitárias globais atingem níveis sem precedentes.
B. Desenvolvimentos Positivos
Assinatura da AUCEVAWG por Angola, Burundi, República Democrática do Congo, Djibuti, Libéria e Gâmbia
32. Endereço as minhas sinceras felicitações a Angola, Burundi, Djibuti, República Democrática do Congo (RDC), Libéria e Gâmbia pela assinatura da Convenção da União Africana sobre o Fim da Violência contra Mulheres e Raparigas (AUCEVAWG). Ao procederem à assinatura desta Convenção, estes seis Estados Membros demonstram um compromisso firme com o reforço dos seus quadros jurídicos e institucionais nacionais. Que este gesto louvável inspire outros Estados Membros a seguir o exemplo, acelerando a adopção generalizada deste instrumento jurídico fundamental e promovendo uma África mais segura para todas as mulheres e raparigas.
RCA
33. Congratulo a RCA pela ratificação do Protocolo de Maputo. Com o depósito formal dos instrumentos de ratificação a 29 de Julho de 2025, o Governo da RCA deu um passo decisivo e há muito aguardado no sentido da eliminação da discriminação jurídica e estrutural contra mulheres e raparigas.
Desafios Assinalados
Gâmbia
34. Fiquei profundamente consternada e preocupada com o falecimento trágico de uma menina de uma bebé de idade na República da Gâmbia, em consequência de complicações resultantes da prática de Mutilação Genital Feminina (MGF). Este incidente devastador evidencia o perigo persistente que esta prática nociva representa, especialmente para os mais vulneráveis. Trata-se de um lembrete claro e doloroso da necessidade urgente de fazer cumprir as leis nacionais que proíbem a MGF, bem como de intensificar os esforços para erradicar esta prática em todas as suas formas.
Sudão do Sul
35. Os relatos de agravamento da violência e dos abusos contra raparigas no Sudão do Sul são profundamente preocupantes. Segundo informações disponíveis, no dia 25 de Junho, homens armados em Pochalla Norte, Estado de Jonglei, terão raptado quatro estudantes quando esta ia realizar exames do ensino secundário. Apesar dos esforços de busca liderados pela comunidade, as raparigas permanecem desaparecidas – evidenciando os riscos persistentes que enfrentam por apenas estarem a procura da sua educação. Outros relatos indicam que, no mesmo mês, a polícia em Juba deteve sete suspeitos em conexão com a violação em grupo de uma rapariga de 16 anos, um ataque que terá sido filmado e disseminado online. Num incidente igualmente alarmante, ocorrido em Maio de 2025, jovens armados cercaram um internato feminino em Marial Lou, Estado de Warrap, mantendo mais de 100 estudantes encurraladas no interior. O cerco apenas terminou após intervenção e negociações conduzidas pela missão de manutenção da paz das Nações Unidas. Estes episódios não são casos isolados. Integram-se num padrão mais vasto e profundamente enraizado no Sudão do Sul, onde o corpo, a educação e o futuro das raparigas estão sistematicamente sob ameaça – em virtude de conflitos, normas sociais nocivas e um clima de impunidade generalizada.
Malawi
36. Fiquei profundamente consternada com os relatos do homicídio brutal de Rosina Hara, uma mulher de 27 anos oriunda do Malawi. Segundo as informações disponíveis, o corpo de Rosina foi encontrado mutilado, apresentando ferimentos profundos no rosto e nas partes íntimas, num acto de violência baseada no género (VBG) extremamente cruel e desumana. Infelizmente, o caso de Rosina não constitui um episódio isolado, mas sim parte de uma falha sistémica nacional em proteger as mulheres contra a exploração sexual e a violência. A desconexão entre a legislação e a sua aplicação efectiva expõe mulheres e raparigas vulneráveis a danos contínuos e impede que obtenham a justiça e o apoio que legitimamente lhes são devidos. Sem uma aplicação significativa da lei e uma justiça centrada na sobrevivente, o sistema jurídico do Malawi está a falhar em servir aquelas que se encontram em maior risco.
África do Sul
37. Os relatos do homicídio de Olorato Mongale, uma estudante de pós-graduação de 30 anos, em Joanesburgo, África do Sul, deixaram-me profundamente entristecida. A sua morte trágica é devastadora e constitui um reflexo doloroso da ameaça sistémica e persistente da VBG que continua a assolar a sociedade sul-africana. Segundo os relatos, Olorato, uma jovem vibrante e ambiciosa que prosseguia os seus estudos de mestrado na Universidade de Witwatersrand, foi encontrada morta pouco depois de ter saído para um encontro – algo rotineiro que terminou em violência inimaginável. A sua morte expõe, mais uma vez, a dura realidade de que, para muitas mulheres na África do Sul, até actos quotidianos como socializar podem tornar-se fatais.
Sudão
38. Estou profundamente preocupada com os relatos persistentes e credíveis de violência sexual generalizada relacionada com o conflito no Sudão. Mulheres e raparigas estão a sofrer destas atrocidades, causando-lhes traumas físicos e psicológicos graves, bem como estigmatização social, conforme documentado pelas Nações Unidas e por organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.
39. As violações são sistemáticas e generalizada. Raparigas com apenas 13 anos e mulheres com até 60 anos têm sido vítimas de violação, violação em grupo e escravidão sexual por parte dos envolvidos no conflito, incluindo as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF). Os perpetradores atacam as vítimas nas suas residências – frequentemente perante familiares – e em espaços públicos.
40. A escravidão sexual é igualmente prevalente. Conforme relatado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, mulheres e raparigas são raptadas em várias regiões, mantidas em cativeiro durante dias ou meses, e sujeitas a violência sexual repetida e trabalho forçado, sendo muitas vezes libertadas apenas após engravidarem. Estes actos hediondos constituem graves violações do direito internacional dos direitos humanos, incluindo o Protocolo de Maputo e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, tendo sido condenados na Resolução 492(LXIX) da CADHP, de 2021, sobre a Violência contra Mulheres em Conflitos Armados em África.
PARTE V: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Sobre o 25.º Aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas
41. Exorto os Estados Membros a renovarem a sua vontade política e o seu compromisso com a implementação plena e acelerada da RCSNU 1325. Os Estados devem assegurar a participação significativa das mulheres em todos os níveis dos processos de paz e segurança, incluindo a prevenção de conflitos, mediação, manutenção da paz e reconstrução pós-conflito. Apelo ainda à alocação de financiamento sustentável e dedicado para o desenvolvimento e implementação dos PANs sobre Mulheres, Paz e Segurança, bem como ao reforço da coordenação institucional e dos mecanismos de responsabilização para monitorar eficazmente os progressos.
42. Apelo aos Estados Membros para que reforcem a protecção das mulheres e raparigas em contextos de conflito e fragilidade, mediante o fortalecimento das leis e dos sistemas de apoio que abordam a violência sexual e baseada no género, garantindo o acesso à justiça, aos cuidados de saúde e ao apoio psicossocial para as sobreviventes.
Sobre a Reacção Global contra os Direitos das Mulheres e os Impactos nas Mulheres Africanas
43. Apelo aos Estados Membros e aos doadores internacionais para que tomem medidas urgentes e decisivas no sentido de estabelecer financiamento de base sustentável, directo e flexível para organizações lideradas por mulheres e defensoras dos direitos das mulheres em África, especialmente aquelas que operam em contextos humanitários e de conflito. Face à suspensão ou redução devastadora de programas vitais, nomeadamente serviços de VBG e de saúde, insto os Estados Membros e as agências humanitárias a classificarem e garantirem os serviços de VBG (abrigos, assistência jurídica, apoio psicossocial) e os serviços abrangentes de DSSR como componentes essenciais e inegociáveis de todos os orçamentos de emergência e desenvolvimento. Apelo igualmente ao aumento significativo da Orçamentação Sensível ao Género (OSG) em todos os sectores, de modo a reforçar a mobilização de recursos internos para os direitos das mulheres e reduzir a dependência da ajuda externa.
44. Exorto os Estados Membros, a União Africana e os parceiros da sociedade civil a investirem significativamente em campanhas proactivas e baseadas em evidência que contrariem a narrativa que apresenta os direitos das mulheres como uma ameaça às normas tradicionais. Por fim, apelo aos Estados Membros para que rejeitem e revoguem toda a legislação e políticas que restrinjam os direitos das mulheres ou impeçam a operacionalização das organizações da sociedade civil sob o pretexto de “proteger a cultura” ou os “valores familiares”.
Sobre a Crise de Insegurança Alimentar
45. Exorto os Estados Membros a priorizarem estratégias sensíveis ao género na abordagem da crise de insegurança alimentar, assegurando que as intervenções nacionais e regionais em matéria de segurança alimentar considerem explicitamente o impacto desproporcionado sobre mulheres e raparigas. Apelo, igualmente, ao investimento em agricultura resiliente ao clima, com especial apoio às mulheres agricultoras de pequena escala, garantindo-lhes acesso à terra, crédito, insumos e mercados. Além disso, insto os governos a expandirem os sistemas de protecção social, incluindo programas de alimentação escolar, transferências monetárias e ajuda alimentar, com enfoque específico nos agregados familiares chefiados por mulheres e nas comunidades rurais vulneráveis.
Sobre o Acesso aos DSSR
46. Face aos desafios no acesso aos DSSR, exorto os Estados Membros a tomarem medidas urgentes para assegurar o acesso universal a serviços de SSR abrangentes, de qualidade e baseados nos direitos, especialmente para mulheres e raparigas nas zonas rurais, afectadas por conflitos e em contextos humanitários. Apelo, ainda, à integração prioritária dos serviços de DSSR nos sistemas nacionais de saúde e nos planos de resposta à emergência, com atenção especial às populações deslocadas, sobreviventes de violência baseada no género e adolescentes. Deve ser duplicada atenção nao fortalecimento da infraestrutura de saúde rural, na melhoria da disponibilidade de profissionais de saúde qualificados e na garantia de fornecimento regular de medicamentos e equipamentos essenciais.
Ao Governo da República da Gâmbia
47. Apelo ao Governo da Gâmbia para que assegure que todos os responsáveis pela morte trágica da bebé de um mês, em consequência de complicações resultantes da MGF, sejam plenamente responsabilizados nos termos da lei. Exorto, igualmente, o Governo a intensificar campanhas nacionais de sensibilização, reforçar os esforços de prevenção comunitária e disponibilizar serviços de apoio abrangentes às sobreviventes.
Ao Governo da República do Sudão do Sul
48. Apelo, com urgência, ao Governo do Sudão do Sul para que investigue todos os casos reportados de rapto, violência sexual e intimidação contra raparigas, garantindo que os perpetradores – incluindo os que detêm responsabilidade de comando – sejam levados à justiça sem demora. Exorto, ainda, ao reforço das medidas de segurança em torno das escolas, especialmente nos internatos femininos e centros de exames, para garantir o acesso seguro à educação. Apelo, igualmente, à disponibilização de apoio psicossocial, médico e jurídico às sobreviventes e suas famílias, bem como à intensificação dos esforços de prevenção através do envolvimento comunitário e da educação.
Ao Governo da República do Malawi
49. Recomendo que o Governo do Malawi assegure que todos os responsáveis pelo homicídio brutal de Rosina Hara sejam plenamente responsabilizados nos termos da lei. Exorto, igualmente, o Governo a adoptar medidas concretas para colmatar a lacuna entre as protecções legais e a sua aplicação efectiva, garantindo que todas as formas de VBG e exploração sexual sejam combatidos com tolerância zero.
Ao Governo da República da África do Sul
50. Apelo ao Governo da África do Sul para que responsabilize, nos termos da lei, o autor do homicídio de Olorato Mongale. Exorto, igualmente, o Governo a reafirmar e reforçar o seu compromisso nacional com a erradicação da VBG, abordando as falhas sistémicas que permitem a persistência desta violência.
Ao Governo da República do Sudão
51. Face à natureza sistemática e generalizada da violência sexual relacionada com o conflito, exorto o Governo do Sudão a realizar investigações rápidas, exaustivas, imparciais e independentes sobre todas as alegações credíveis de violência sexual cometidas por todas as partes envolvidas no conflito, incluindo as SAF e as RSF, assegurando uma política de tolerância zero à impunidade. Apelo, ainda, à instauração de processos judiciais contra todos os alegados perpetradores, incluindo os que ocupam cargos militares e políticos de alto nível, utilizando tanto os sistemas de justiça civil como os militares reformados, para julgar estes crimes como violações do direito internacional humanitário.
CONCLUSÃO
52. Ao concluir o presente relatório, felicito os Estados Membros que estão a implementar activamente medidas para promover a igualdade de género e garantir os direitos das mulheres e raparigas em todos os sectores. Congratulo, em particular, aqueles que tomam medidas céleres e decisivas para combater as violações dos direitos das mulheres. Esta liderança proactiva é essencial para o cumprimento das nossas obrigações colectivas e para assegurar a segurança, dignidade e bem-estar das mulheres e raparigas em todo o continente africano.
53. Expresso a minha sincera gratidão a todos as partes interessadas e parceiros que apoiam incansavelmente o trabalho do mecanismo da SRRWA. A nossa colaboração contínua é vital não apenas para o empoderamento individual das mulheres e raparigas, mas também para impulsionar a mudança transformadora necessária à construção de sociedades mais inclusivas, onde as mulheres e raparigas possam exercer plenamente os seus direitos, realizar o seu potencial e contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de África. Exorto todos os parceiros a manterem e aprofundarem o seu compromisso com este mandato fundamental, enquanto trabalhamos em conjunto para forjar uma África onde a igualdade de género não seja apenas uma aspiração, mas uma realidade vivida por todas as mulheres e raparigas.