A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão), reunida na sua 70.ª Sessão Ordinária realizada de forma virtual de 23 de Fevereiro a 09 de Março de 2022 :
Recordando o mandato que lhe foi conferido para promover e proteger os direitos humanos e dos povos em África, nos termos do artigo 45.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Carta Africana);
Recordando as disposições pertinentes das Decisões AHG/Dec.141 (XXXV) e AHG/Dec.142 (XXXV) sobre Mudanças Inconstitucionais de Governo, adoptadas pela 35ª Sessão Ordinária da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Argel, Argélia, de 12 a 14 de Julho de 1999, e a Declaração AHG/Decl.5 (XXXVI) referente ao Quadro para uma Resposta da OUA a Mudanças Inconstitucionais de Governo, adoptada pela 36ª Sessão Ordinária da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Lomé, Togo, de 10 a 12 de Julho de 2000;
Tendo em mente as obrigações da República do Sudão como Estado membro da União Africana (UA), e Estado parte da Carta Africana e da Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (Carta Africana sobre Democracia) :
Tendo também presente o artigo 23º da Carta Africana, que garante o direito de todos os povos à paz e à segurança nacional e internacional;
Recordando as resoluções por si adoptadas sobre a situação dos direitos humanos na República do Sudão, nomeadamente a Resolução ACHPR 444 (LXVI) 2020, e a Resolução ACHPR 510 (LXIX) 2021
Recordando a Declaração de 27 de Outubro de 2021 por si adoptada, relativamente ao golpe de Estado de 25 de Outubro de 2021 na República do Sudão e a Declaração de 26 de Novembro de 2021 sobre a deterioração da situação dos direitos humanos na República do Sudão, na sequência do golpe de Estado de 25 de Outubro de 2021 ;
Recordando o Comunicado nº PSC/PR/COMM.1041(2021) do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, adoptado na sua 1041ª reunião realizada em 26 de Outubro de 2021, na qual o Conselho suspendeu a participação do Sudão em todas as actividades da União Africana, na sequência da tomada do poder pelos militares ;
Tomando nota da declaração do Conselho de Segurança das Nações Unidas (SC/14678) de 28 de Outubro de 2021 sobre a situação no Sudão, e da Resolução (A/HRC/S-32/L.1) de 5 de Novembro de 2021, adoptada pela 32ª Sessão Extraordinária do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a situação no Sudão.
Deplorando o fracasso do acordo assinado em 21 de Novembro de 2021 entre o Primeiro-Ministro, anteriormente demitido durante o golpe, e o exército que o reconduziu ao exercício das suas funções; e observando ainda que este fracasso consumou-se em pleno pela demissão a 2 de Janeiro de 2022 do Primeiro-Ministro Abdallah Hamdok que não conseguiu formar um governo civil ; e retirando as consequências dos graves desacordos entre as partes envolvidas quanto à continuação do processo de transição;
Preocupada com a falta de um quadro específico para a transição posta em marcha em Agosto de 2019, e ausência de um acordo mínimo entre os intervenientes, em particular entre o exército e entidades políticas, bem como a sociedade civil;
Observando que no Sudão realizam-se manifestações quase diárias em protesto contra o golpe de Estado de 21 de Outubro de 2021 e qualquer poder militarizado dele decorrente ;
Preocupada com as informações que dão conta da continuação do uso excessivo da força pelos serviços de segurança, incluindo militares, o que até agora resultou na perda de pelo menos 82 vidas e em ferimentos graves de numerosos manifestantes ;
Preocupada com relatos credíveis de numerosos casos de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes infligidos em presos políticos e outros, dos quais há a registar pelo menos 400 mantidos em locais de detenção no Sudão;
Notando que as prisões arbitrárias, toda essa repressão e atmosfera de terror parece estar a desenrolar-se sem a presença dos pertinentes observadores, face a restrições aplicadas a meios de informação e comunicação;
Preocupada com o facto desta situação conduzir à violação contínua e grave da quase totalidade dos direitos humanos protegidos pela Carta e pelos demais instrumentos fundamentais dos direitos humanos de que o Sudão é parte; incluindo a violação do direito à vida, do respeito pela dignidade inerente à pessoa humana, do direito à liberdade e segurança, do direito à liberdade de circulação, do direito à informação, incluindo o direito de exprimir e divulgar opiniões, da liberdade de reunião, do direito à propriedade, do direito à educação, e do direito à saúde e outros;
Registando as diversas iniciativas da comunidade internacional para ajudar a resolver esta grande crise sociopolítica com consequências desastrosas para os direitos humanos do povo sudanês, incluindo a do Presidente da Comissão da União Africana, que efectuou uma visita de trabalho ao Sudão em 12 de Fevereiro de 2022 ;
Reafirmando o seu empenho em prol da promoção da democracia em África e reconhecendo que a boa governação, a transparência e o respeito pelos direitos humanos são princípios essenciais que contribuem para a paz e o desenvolvimento em África ; e em conformidade com a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação ;
Reafirmando ainda todos os direitos humanos garantidos pela Carta, em particular os protegidos pelos artigos 4º, 5º, 6º, 9º e 11º da Carta Africana, que garantem o direito à vida, o respeito pela dignidade inerente à pessoa humana, o direito à liberdade e segurança, o direito à liberdade de circulação, o direito à informação, incluindo o direito de exprimir e difundir opiniões, e a liberdade de reunião;
A Comissão reitera :
i. A sua condenação do golpe de Estado de 25 de Outubro de 2021, que derrubou o governo de transição dirigido pelo Primeiro-Ministro Dr. Abdallah Hamdok, da suspensão das instituições de transição e da imposição do estado de emergência em violação da Declaração Constitucional do Sudão de 2019 e das disposições do Acordo de Paz de Juba de 2020;
ii. A sua condenação da deterioração da situação sociopolítica no Sudão;
iii. A sua condenação das violações contínuas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais perpetradas pelo exército desde o golpe de 25 de Outubro de 2021, em particular o recurso à violência para sufocar manifestações públicas, que resultaram na morte e ferimentos de dezenas de manifestantes, na tortura e no tratamento cruel e desumano de presos políticos, na violência sexual, no despedimento de funcionários públicos por motivos políticos, no bloqueio da Internet e no encerramento de jornais e estações de televisão ;
iv. A sua condenação das detenções arbitrárias e em segredo pelo exército sudanês de centenas de políticos e activistas a favor da democracia, incluindo membros do governo, altos funcionários nacionais e regionais nomeados pelo governo de transição e dirigentes dos comités de resistência, e apela ao exército sudanês para que liberte imediata e incondicionalmente todas as pessoas detidas arbitrariamente desde 25 de Outubro de 2021 ;
v. O seu apelo às autoridades sudanesas para que respeitem o direito à vida, à liberdade de expressão, associação e de reunião pacífica das populações, e para que garantam a segurança pessoal dos jornalistas, levantando ao mesmo tempo todas as restrições de acesso à Internet e às plataformas de informação, o que permitirá à população sudanesa receber e divulgar livremente informações;
vi. O seu apelo para que sejam esclarecidos todos os casos de violações dos direitos humanos registados e em curso desde a ocorrência do golpe de Estado a 25 de Outubro de 2021, e assegurada a reparação das vítimas, evitando ao mesmo tempo a impunidade por tais actos;
vii. O seu apelo às partes sudanesas para que restabeleçam a ordem constitucional e, sobretudo, para que protejam os direitos do povo sudanês em conformidade com as obrigações nacionais e internacionais do país em matéria de direitos humanos; e
viii. O seu apelo à comunidade internacional, particularmente à União Africana, à Autoridade Intergovernamentalpara o Desenvolvimento (IGAD) e às Nações Unidas para que prossigam os seus esforços no sentido de repor a estabilidade no Sudão, sob pena de mergulhar o Corno de África numa situação de insegurança grave.
Feito de forma virtual a 09 de Março de 2022.