Relator Especial sobre Defensores dos Direitos Humanos e Ponto Focal para as Represas na África - 83OS

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83ª SESSÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS  E DOS POVOS

RELATÓRIO DE ACTIVIDADES INTER-SESSÕES 
Apresentado por:
Excelentíssimo Comissário Rémy Ngoy Lumbu 

Comissário e Relator Especial para os Defensores dos Direitos Humanos

Ponto Focal sobre Represálias em África 

Ponto Focal sobre a Independência Judicial

Relator dos seguintes países : Argélia, Camarões, Côte d’Ivoire, Mali e Togo.

Banjul, 2 a 22 de Maio de 2025
 

INTRODUÇÃO

1.    O presente relatório é apresentado em conformidade com o n.º 3 do Artigo 25.º e o Artigo 64.º do Regulamento Interno (2020) da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) e relata as actividades de promoção e protecção dos direitos humanos realizadas durante o período inter-sessões  desde a 81.ª Sessão Ordinária realizada de 17 de Outubro a 6 de Novembro de 2024 em Banjul, Gâmbia.

2.    O presente relatório está subdividido em cinco partes principais. A primeira parte relata as actividades realizadas na qualidade de ponto focal para a independência judicial, em conformidade com a Resolução ACHPR/Res.570 (LXXVII) 2023 sobre a nomeação de um ponto focal para a independência judicial em África, adoptada pela Comissão na sua 77ª Sessão Ordinária.

3.    A segunda parte trata das iniciativas levadas a cabo na qualidade de relator nacional encarregado de acompanhar a situação dos direitos humanos na Argélia, nos Camarões, na Côte d’Ivoire, no Mali e no Togo. 

4.    A terceira parte apresenta as actividades realizadas no quadro do mandato do Relator Especial sobre os Defensores dos Direitos Humanos e Ponto Focal sobre as Represálias em África (o Relator Especial), criado pela resolução  CADHP/69(XXXV)04 da Comissão. Este mandato foi expandido a fim de cobrir a questão das represálias pela Resolução CADHP/Res.273 (LV)2014. Foi renovado por força das resoluções  CADHP/Res.83(XXXVIII)05, CADHP/Res.125(XXXXII)07, CADHP/Res.149(XLVI)09, CADHP/Res.202(L)2011, CADHP/Res.248(LIV)2013, CADHP/Res.315(LVII)2015, CADHP/Res.381(LXI)2017, CADHP/Res.425 (LXV) 2019, CADHP/Res.451 (LXVI) 2020 e CADHP/Res.526 (LXXIII) 2022.

5.    A quarta parte apresenta o ponto de situação da Declaração Africana sobre a Promoção do Papel dos Defensores dos Direitos Humanos e a sua Protecção em África, em conformidade com a Resolução ACHPR/Res.432(LXV)2019.  

6.    A quinta parte apresenta uma breve análise da situação dos defensores dos direitos humanos, da liberdade de associação e da liberdade de reunião. Relata também as minhas actividades como Ponto Focal sobre a retaliação em África.

7.    A última secção contém recomendações dirigidas aos  vários intervenientes que interagem com o mandato do Relator Especial. 

1.ª PARTE 
ACTIVIDADES ENQUANTO  PONTO FOCAL PARA A INDEPENDÊNCIA JUDICIAL

8.    Na minha qualidade de Ponto Focal para a Independência Judicial, em conformidade com a Resolução ACHPR/Res.570 (LXXVII) 2023 relativa à nomeação de um Ponto Focal para a Independência Judicial em África, adoptada pela Comissão na sua 77ª Sessão Ordinária, acompanhei com atenção a situação da independência judicial em África. Para o efeito, foram realizadas várias iniciativas e actividades, incluindo o envio de um apelo urgente (A), a publicação de um comunicado de imprensa (B) e a participação na Cimeira Africana de Juízes e Juristas (C).  

A.    Cartas de apelo urgente sobre alegações de violação da independência judicial no Uganda

9.    Juntamente com o Comissário responsável pelo acompanhamento da situação dos direitos humanos no Uganda, o Excelentíssimo Comissário Mudford Zecharia Mwandenga, enviámos uma carta de apelo urgente às Altas Autoridades do Uganda no dia 24 de Março de 2025. Manifestámos a nossa preocupação com os relatos de alegadas violações da independência judicial, da segurança dos profissionais da justiça e do julgamento de civis por tribunais militares.

10.    Apelámos, em particular, às autoridades ugandesas a tomar todas as medidas legislativas e outras necessárias para criar um ambiente em que os profissionais do direito possam exercer as suas funções profissionais sem entraves ou interferências.

B.    Comunicado de imprensa por ocasião da comemoração do Dia Internacional dos Advogados em Perigo

11.    Emiti um comunicado de imprensa para assinalar o Dia Internacional dos Advogados em Perigo, que se comemora todos os anos no dia 24 de Janeiro desde 2009.   Prestei homenagem ao empenhamento dos advogados, nomeadamente dos que prestam serviços a título gratuíto, cuja dedicação altruísta e a nobre permitem que milhares de vítimas empobrecidas tenham acesso à justiça. 

12.    Reiterei a importância de proteger e defender os direitos dos advogados, uma vez que a sua violação constitui uma verdadeira ameaça ao acesso à justiça, aos direitos fundamentais e aos próprios fundamentos do Estado de direito. Para o efeito, convidei os Estados Partes na Carta e outros intervenientes a redobrar os seus esforços para construir um ambiente de trabalho onde os advogados possam exercer a sua profissão livremente, sem medo ou intimidação. 

C.    Participação no Seminário virtual comemorativo do Dia Internacional dos Advogados, 24 de Janeiro de 2025 

13.    Participei num seminário virtual organizado no dia 24 de Janeiro de 2025 pelo Sindicato Pan-Africano dos Advogados (PALU) para comemorar o Dia Internacional dos Advogados. O tema do seminário virtual foi: "Justiça em risco: os desafios e a resiliência dos advogados na protecção dos direitos humanos".

14.    O objectivo do seminário virtual consistiu em destacar os desafios enfrentados pelos advogados na defesa dos direitos humanos, com especial incidência em África e uma análise mais ampla das tendências gerais. O seminário virtual serviu-nos de plataforma de discussão e intercâmbio sobre os desafios persistentes e emergentes que ameaçam a integridade e a independência da profissão de advogado, bem como sobre as soluções apropriadas para a promoção e protecção eficazes dos seus direitos.

15.    Nessa ocasião, proferi uma declaração em que manifestei a preocupação da Comissão com o aumento alarmante das violações dos direitos dos advogados no nosso continente, devido ao facto de defenderem os direitos humanos. Salientei também as iniciativas da Comissão neste domínio e fiz recomendações aos vários intervenientes  para uma melhor promoção e protecção dos direitos dos advogados.  

Situação da Independência Judicial em África

16.    A situação da independência judicial não para de deteriorar-se em alguns países do continente. Observa-se uma multiplicação dos ataques à independência dos juízes, que sofrem uma enorme pressão do Estado para se desviarem das suas obrigações profissionais, sob pena de despedimento injusto ou de processos judiciais arbitrários. Esta situação tem consequências graves para o Estado de direito e para o direito das pessoas a um julgamento justo. 

17.    A Comissão está igualmente preocupada com os actos de intimidação, prisões e detenções arbitrárias de advogados e até mesmo com os assassinatos, especialmente dos que defendem casos sensíveis.  Esta situação constitui um grande desafio que impede os advogados de trabalhar de forma independente. 

18.    Convido os Estados Partes a tomarem as medidas idóneas para garantir a independência judicial e a aplicarem as directrizes da Comissão sobre o direito a um julgamento justo.

19.    A Comissão foi informada da situação de confusão existente em certos países, que cria tensões entre o Ministro da Justiça e o Presidente do Conselho Superior da Magistratura. A Comissão recebeu igualmente informações sobre tensões entre os parlamentos e os tribunais superiores, nomeadamente os tribunais constitucionais. É o caso da República Democrática do Congo e de outros países.

20.    Vários relatos recebidos de diferentes fontes indicam que, em certos países, a instituição do Provedor de Justiça tem poderes de controlo sobre os Tribunais Constitucionais e pode avaliar o seu desempenho. Esta situação observa-se no Burundi, por exemplo.

Resultado 1: Os Estados e outros intervenientes foram alertados sobre a situação dos direitos humanos e da independência judicial no nosso continente.

Recomendação 1: Solicita aos Estados para:
-    Respeitar estritamente a separação dos poderes e garantir a independência judicial para efeitos de uma boa administração da justiça;
-    Tomar as medidas necessárias para garantir que os civis não sejam julgados por tribunais militares ou quaisquer outros órgãos não judiciais para além dos órgãos devidamente estabelecidos por lei.

2.ª PARTE
ACTIVIDADES COMO COMISSÁRIO RELATOR DE PAÍSES

21.    Na minha qualidade de Comissário-Relator responsável do acompanhamento da situação dos direitos humanos nos Estados Partes da Argélia, dos Camarões, da Côte d’Ivoire, do Mali e do Togo, realizei uma série de acções relacionadas com estes Estados Partes: 

22.    No que diz respeito à República Argelina Democrática e Popular, no dia 4 de abril de 2025 enviei duas cartas de apelo urgente relativas à prisão e detenção de Boualem Sansal, um escritor franco-argelino de 80 anos de idade, que foi detido no dia 16 de Novembro de 2024 sob a acusação de atentar contra a integridade do território nacional e restringir as liberdades sindicais no país. Em todas estas ocasiões, exprimi as preocupações da Comissão e formulei recomendações aos Estados em causa.

23.    A Comissão agradece ao Governo Argelino pela sua resposta de 29 de Abril de 2025 e pelos esclarecimentos satisfatórios prestados sobre a situação dos sindicatos referidos na carta e as medidas legislativas e outras adoptadas pelo Estado Parte ao longo dos anos para garantir os direitos dos sindicatos que operam na Argélia.

24.    Relativamente à República do Mali, no dia 14 de Março de 2025 enviei uma carta de apelo urgente relativa ao Sr. Alou Badra Sacko, um defensor dos direitos humanos do Mali raptado no dia 14 de Março de 2025 em Bamako por homens armados e encapuzados numa viatura não registada. Chamei a atenção para o clima de repressão contra as vozes dissidentes, nomeadamente entre os dirigentes políticos, os activistas e os jornalistas.

25.    Com o ilustre Comissário Idrissa Sow, Presidente do Grupo de Trabalho sobre a Pena de Morte, as Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias e Desaparecimentos Forçados em África, enviámos no dia 2 de Maio de 2025 uma carta conjunta de apelo urgente às autoridades do país relativamente às alegações de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados de várias dezenas de homens, na sua maioria da comunidade Fulani, na sequência da sua detenção pelas Forças Armadas do Mali num mercado em Sebabougou, na região de Kayes, no dia 12 de Abril de 2025. 

26.    A este respeito, solicitámos que fossem tomadas  medidas apropriadas para encontrar as pessoas desaparecidas e realizar investigações imparciais e independentes, a fim de identificar os autores das várias violações e trazé-los à justiça. 

27.    Relativamente à República Togolesa, enviei uma carta de apelo urgente relativa às alegações que dão conta da prisão e detenção arbitrárias de Françoise Affiavi Agba, do seu filho Eddy Agba e do seu cunhado Cyrille Agba, todos acusados de complôt contra a segurança nacional e de financiamento do terrorismo.  Nessa ocasião, solicitei ao Estado que assegurasse o respeito da integridade física das pessoas detidas e as garantias de um processo justo.  

28.    Relativamente à República dos Camarões, emiti um comunicado de imprensa em 23 de janeiro de 2025 sobre a situação da liberdade de associação e de reunião, nomeadamente na República dos Camarões. Deplorei a suspensão das actividades da Rede Centro-Africana dos Defensores dos Direitos Humanos (REDHAC) por três (3) meses, decisão ainda hoje em vigor. Sublinhei a preocupação da Comissão relativamente a esta medida, uma vez que afecta toda a África Central, na medida em que esta Organização tem uma jurisdição sub-regional.  

29.    No dia 4 de Abril de 2025 enviei também uma carta de apelo urgente às autoridades dos Camarões  relativamente a alegações de violações como moléstia, intimidação e ameaças contra defensores dos direitos humanos, em particular os responsáveis pela REDHAC e à sua suspensão.  

30.    Na sequência dessas alegações, tive reuniões de trabalho com o Governo dos Camarões, lideradas pelo Ministro-delegado junto do Ministério das Relações Exteriores, S. Exa. Felix Mbayu, à margem dos trabalhos da 83ª Sessão Ordinária. O Ministro informou a Comissão das razões fundamentais da suspensão de certas ONG que exercem a sua actividade nos Camarões e que não respeitam a legislação nacional em matéria de funcionamento das associações, de financiamento e de luta contra o terrorismo, pondo assim em causa a soberania do país.  Após discussões, e com base no pedido que apresentámos, será organizada uma sessão de trabalho em Yaoundé, sem prejuízo de uma data definitiva mas logo que a autorização seja concedida, com o Ministro responsável pela administração territorial, a fim de fazer o ponto da situação das relações entre o governo e as organizações da sociedade civil e de prestar mais informações à Comissão.

31.    No que diz respeito à República da Côte d’Ivoire, enviei um apelo urgente às autoridades do país relativamente às alegações de prisão arbitrária, detenção e condenação de Ghislain Assy Duggary, um sindicalista do Mouvement des Enseignants pour la Dynamique de la Dignité, na sequência da sua participação na greve dos professores que exigia o pagamento de um bónus de incentivo trimestral à semelhança do beneficiado por outros funcionários públicos da Côte d’Ivoire. Sublinhei a necessidade de instituir garantias apropriadas para assegurar a independência total e protecção dos sindicalistas e dos defensores dos direitos humanos contra represálias relacionadas pelas suas actividades profissionais e legítimas.

Resultado 2 As altas autoridades destes países (Argélia, Mali, Camarões, Togo e  Cote d’Ivoire) foram alertadas e sensibilizadas sobre as alegações de violações dos direitos humanos que lhes dizem respeito.  

Recomendação 2: 
-    Solicitar aos Estados em causa que efectuem investigações com vista à localização e libertação das pessoas raptadas e desaparecidas;   
-    Abster-se de todas as formas de intimidação e de moléstia, incluindo a moléstia judicial, contra os activistas e defensores dos direitos humanos e garantir que estes possam exercer as suas actividades no domínio dos direitos humanos sem entraves ou receio de represálias.  
-    Adoptar uma lei específica sobre a protecção dos defensores dos direitos humanos.

3.ªPARTE
ACTIVIDADES ENQUANTO RELATOR ESPECIAL SOBRE OS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS E PONTO FOCAL SOBRE AS REPRESÁLIAS EM ÁFRICA 

A.    ACTIVIDADES DE PROMOÇÃO

Participação no seminário virtual sobre o lançamento do relatório "Espaço cívico e defensores dos direitos humanos no Sahel: convergência regional das práticas de repressão”, 20 de Fevereiro de 2025 

32.    No dia 20 de Fevereiro de 2025, participei no seminário virtual organizado pela Federação Internacional dos Direitos Humanos e pela Organização Mundial contra a Tortura, no âmbito do lançamento do relatório "Espaço Cívico e Defensores dos Direitos Humanos no Sahel: Convergência Regional das Práticas de Repressão".

33.    Nesta ocasião, tracamos opiniões sobre a situação dos defensores dos direitos humanos e do espaço cívico no Burkina Faso, no Mali, no Níger e no Chade.

Resultado 5: Alertar os diferentes actores para a situação dos defensores dos direitos humanos na região do Sahel e propor recomendações.

Recomendação 5: Aplicar as recomendações a fim de melhorar a situação dos defensores dos direitos humanos e o espaço cívico no Sahel.
B.    ACTIVIDADES DE PROTECÇÃO

I.    Apelos Urgentes

34.    Durante o período em análise, o mecanismo recebeu queixas de alegadas violações dos direitos dos defensores dos direitos humanos, às quais deu seguimento de acordo com as necessidades específicas de cada caso. Assim, durante o período em análise, por vezes em conjunto com outros mecanismos ou relatores de países, foram enviadas nove (9) cartas de apelo urgente aos seguintes Estados Partes: Argélia (2), Camarões (1),  Côte d’Ivoire (1), Etiópia (1), Líbia (1), Mali (1), Níger (1) e Togo (1). 

35.    Estas queixas dizem respeito a alegações de violações dos direitos humanos relacionadas a: 
-    Prisão e detenção arbitrárias de activistas e defensores dos direitos humanos;
-    Violações das liberdades sindicais;
-    Moléstia judicial, represálias e intimidação de defensores dos direitos humanos;
-     Raptos e desaparecimentos forçados de defensores dos direitos humanos;
-    Suspensão de organizações da sociedade civil.

36.    Emiti também comunicados de imprensa, quer individualmente, quer em conjunto com outros mecanismos, nomeadamente o comunicado de imprensa sobre a situação ddos defensores dos direitos humanos nos Camarões e na Etiópia e sobre o assassinato de  Delphin Katembo Vinywasiki, músico e defensor dos direitos humanos,  e de vários outros jovens, na República Democrática do Congo.  . O conteúdo destes comunicados de imprensa está disponível no sítio Web da Comissão.

II.    Respostas dos Estados

37.    Durante o período inter-sessões, o mecanismo recebeu a resposta das autoridades Argelinas conforme foi acima referido. Foi também recebida resposta das autoridades do Burkina Faso relativa ao relatório inter-sessões anterior sobre as alegações de rapto e assassinato de dois advogados. As autoridades do Burkina sublinharam que os advogados tinham sido encontrados vivos e libertados em Novembro de 2024 pelas forças de defesa e segurança. 

Resultado 9: Chamar a atenção dos Estados Partes em causa para a adopção de medidas adequadas para corrigir as alegadas violações, caso estas se confirmem verdadeiras. 

Recomendação 9: Responder às cartas de apelo urgente enviadas pelo Mecanismo, para os que ainda não o fizeram, e adoptar medidas apropriadas para prevenir e combater as violações dos direitos humanos.

PARTE IV
ELABORAÇÃO DE UMA DECLARAÇÃO AFRICANA SOBRE A PROMOÇÃO DO PAPEL DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS E A SUA PROTECÇÃO EM ÁFRICA

38.    Durante o período em análise, o Relator Especial integrou as contribuições recebidas das várias actores intervenientes durante as diferentes consultas. Continuou a preparar a redação do presente documento com vista a melhorar a quantidade e qualidade do mesmo. 

Resultado 10: O texto foi objecto de uma revisão profunda.

Recomendação 10: Apoio e colaboração de todas os actores intervenientes.

PARTE V
ANÁLISE DA SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA

39.    Um quadro jurídico nacional favorável é um elemento necessário para garantir um ambiente seguro e propício ao trabalho dos defensores dos direitos humanos, conforme disposto em numerosos instrumentos internacionais e regionais, nomeadamente a ausência de leis e as práticas que restrinjam e criminalizem o seu trabalho e a adopção e aplicação efectiva de leis e medidas que garantam o seu apoio e protecção. 

40.    A situação dos defensores dos direitos humanos evoluiu de forma positiva em alguns países, enquanto noutros continua a deteriorar-se. Nas linhas que se seguem, apresento uma panorâmica da situação dos defensores dos direitos humanos, da liberdade de associação e de reunião, da liberdade de manifestação e da questão das represálias em alguns países.

A.    LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO EM ÁFRICA 

41.    A liberdade de associação, de reunião e de manifestação pacífica são direitos essenciais para a expressão colectiva e a defesa de todos os direitos humanos. 

-    Relativamente aos desenvolvimentos positivos, o mecanismo registou, em particular, a adopção da lei sobre a "Promoção e Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos" pela Assembleia Nacional da República Centro-Africana. 

42.    Quanto as áreas de preocupação, o mecanismo registou, em particular, as seguintes situações:

-    A decisão das autoridades camaronesas de suspender e cancelar as actividades da REDHAC e da associação ReachOut; 
-    A decisão da Autoridade Coordenadora das Organizações da Sociedade Civil da Etiópia de suspender certas organizações da sociedade civil, nomeadamente a Lawyers for Human Rights, a Association for Human Rights in Ethiopia, o Center for the Advancement of Rights and Democracy, a Ethiopian Human Rights Council Organisation e o Ethiopian Human Rights Defenders Center;  
-    A escalada das violações dos direitos dos defensores dos direitos humanos, marcada pela repressão sistemática dos activistas ambientais, dos jornalistas e da oposição política no Uganda;
-    A detenção de uma dezena de pessoas durante uma manifestação pacífica no Cairo, Egipto, em Fevereiro de 2025;
-    A promulgação da Lei n.º 1/2025 sobre as Organizações Privadas de Beneficência no Zimbabwe, cujas alterações são susceptíveis de restringir o espaço cívico, conferindo ao Governo amplos poderes de vigilância, controlo e penalização das ONG; 
-    O recurso à força para dispersar uma manifestação pacífica contra a escravatura organizada em Fevereiro de 2025 em Nouakchott, na Mauritânia;
-    O recurso à força letal para reprimir a assembleia de trabalhadores da King Joy na Libéria;  
-    A suspensão das actividades das ONG que trabalham com migrantes, refugiados e requerentes de asilo durante várias semanas na Líbia;
-    A repressão e o uso excessivo de força, por vezes letal, para reprimir manifestações em alguns países, provocando perdas de vidas por vezes, ferimentos e detenções em massa de manifestantes; 
-    Prisão e detenção arbitrárias de activistas da liberdade sindical em alguns países, nomeadamente na Côte d’Ivoire; 
-    Alguns países continuam a exigir uma autorização prévia para todas as manifestações, apesar do regime declarativo em vigor que rege o usufruto desta liberdade;
-    A proibição de manifestações, nomeadamente dos partidos políticos da oposição e de outras vozes dissidentes, especialmente durante os períodos eleitorais;
-    Os atrasos administrativos no registo legal de associações de direitos humanos e de ONG em alguns países;
-    A persistência de quadros legislativos e restrições jurídicas constantes que dificultam gravemente o trabalho das associações e organizações da sociedade civil em certos Estados, apesar do compromisso dos Estados Partes de respeitar e garantir os direitos humanos sem discriminação;  
-    A politização das organizações da sociedade civil e do trabalho dos defensores dos direitos humanos;
-    A ausência de leis e outros mecanismos jurídicos para a protecção específica dos defensores dos direitos humanos na maioria dos países abre um grande espaço a violações dos direitos dos defensores dos direitos humanos e reforça a sua vulnerabilidade;
-    A continuação do recurso a medidas sanitárias ou de segurança de emergência por parte de alguns Estados para restringir indevidamente as liberdades (direitos) de associação e de reunião, nomeadamente dos actores políticos da oposição, da sociedade civil e dos defensores dos direitos humanos.

43.    A Comissão recorda e encoraja a utilização das suas Directrizes sobre a Liberdade de Associação e de Reunião em África, que adoptou para ajudar os Estados, incluindo os decisores políticos, os redactores de leis e os legisladores, a garantir que a legislação, as políticas e as práticas administrativas estejam em conformidade com as melhores práticas e as normas internacionais e que as medidas não infrinjam injustificadamente as liberdades de associação e de reunião. 

44.    Recorda igualmente o papel importante que os  tribunais nacionais desempenham na garantia da liberdade de associação e de reunião. 

B. A QUESTÃO DAS REPRESÁLIAS NO CONTINENTE

45.    Os actos de represália continuam a ser frequentes e manifestam-se de diferentes formas, nomeadamente homicídios, assassinatos, moléstia sistemático, restrições indevidas ao acesso às reuniões dos organismos de defesa dos direitos humanos, ameaças diversas, violência física e outros maus tratos, restrições injustificadas às actividades das organizações da sociedade civil, espionagem, arrombamento das sedes das organizações e associações, difamação, suspensão da acreditação, prisões e detenções arbitrárias e processos judiciais repetitivos.

46.    Estes casos de represálias são praticamente comuns a todo o continente, com diferentes graus de gravidade dependendo do país. Cito, nomeadamente 

-    O assassinato de Delphin Katembo Vinywasiki, músico e activista dos direitos humanos na RDC; 
-    Um aumento dos actos de represália e dos atentados contra a vida na África do Sul, nomeadamente o assassinato do Imã Muhsin Hendricks, defensor dos direitos das minorias sexuais, e de Pamela Mabini, denunciante e activista dos direitos humanos. 

47.    Exorto os Estados a efectuarem investigações em torno das ameaças e dos actos de intimidação contra os defensores dos direitos humanos e a garantir que os alegados autores sejam levados à justiça e que os titulares de direitos e as vítimas obtenham justiça e uma reparação apropriadas.
 
48.    Em conformidade com o mandato conferido ao mecanismo sobre a questão das represálias, os nossos esforços no domínio da prevenção e de luta contra as represálias contra os defensores dos direitos humanos que colaboram ou tentam colaborar com a Comissão Africana prosseguem. 

PARTE VI. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A.    CONCLUSÕES

49.    Continuo a deplorar a situação alarmante dos defensores dos direitos humanos no continente. O número de queixas recebidas pelo mecanismo mantém-se estável, mas alguns países, mais do que outros, são alvo de queixas regulares, cuja veracidade o mecanismo esforça-se por apurar antes de contactar o Estado em causa. A este respeito, gostaria de salientar que o acompanhamento dos nossos apelos urgentes, tanto em termos de recepção efectiva pelos Estados como de execução das nossas recomendações, continua a ser um grande desafio.

50.    No que diz respeito às suas actividades, o mandato continua a trabalhar com os Estados em várias questões, nomeadamente:
-    A aplicação efectiva das normas e padrões de direitos humanos relativos aos defensores dos direitos humanos, nomeadamente por meio de recomendações sobre os relatórios dos Estados, visitas aos países, missões de apuramento de factos, apelos urgentes e outros meios;
-    A adopção de leis sobre a protecção dos defensores dos direitos humanos e, neste contexto, reitera a sua disponibilidade para os apoiar nas várias fases de adopção dessas leis;
-    A aplicação das várias normas jurídicas não vinculativas relativas à promoção e protecção dos direitos dos defensores dos direitos humanos.

51.    O mecanismo concluiu e apresentou o seu projecto de Directrizes para a elaboração de relatórios do Estado sobre os artigos 10.º e 11.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, nomeadamente os direitos à liberdade de associação e de reunião em África, que foram adoptados pela Comissão na sua 82.ª Sessão Ordinária, realizada em modo virtual de 25 de Fevereiro a 11 de Março de 2025. 

52.    O Mecanismo prossegue com a elaboração do estudo para avaliar o nível de conformidade da legislação nacional com as Directrizes sobre a Liberdade de Associação e de Reunião em África. No momento oportuno, será apresentado um relatório detalhado sobre a legislação e as políticas que impõem restrições às liberdades públicas e restringem o papel e o espaço operacional dos actores da sociedade civil.

53.    Por outro lado, o mecanismo continua também a melhorar o Tracker (mecanismo de acompanhamento) da liberdade de associação e de reunião em África, um instrumento transparente e objectivo que será posto à disposição do público pelo Relator Especial graças ao apoio técnico do seu Grupo de Apoio para a Promoção e o Acompanhamento da Aplicação Eficaz das Directrizes sobre a Liberdade de Associação e de Reunião em África. 

54.    Por último, o mecanismo continua também  a desempenhar o seu papel de liderança na elaboração da Declaração Africana sobre a Promoção e Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos. 

B.    RECOMENDAÇÕES 

55.    As recomendações formuladas nos nossos relatórios anteriores continuam válidas. O mandato gostaria que os Estados Partes e os vários actores, incluindo os da sociedade civil, se apropriassem das mesmas e trabalhassem para a sua aplicação efectiva.

    Aos Estados Partes :

i.    Elaborar, adoptar e aplicar leis, políticas e programas nacionais mais sólidos e apropriados para a protecção dos defensores dos direitos humanos, seguindo o exemplo da Cote d’Ivoire, do Burkina Faso, do Mali e do Níger na África Ocidental e da RDC na África Central;
ii.    Disseminar junto das autoridades administrativas, judiciais e de segurança, a legislação relativa aos defensores dos direitos humanos  a fim de eliminar todas as formas de restrições ao seu trabalho; 
iii.    Fazer com que que os mecanismos criados para proteger os defensores dos direitos humanos sejam inclusivos e incluam representantes da sociedade civil;  
iv.    Assegurar que o projecto de legislação sobre a protecção dos defensores dos direitos humanos esteja em conformidade com as normas regionais e internacionais e com a lei modelo sobre o reconhecimento e a protecção dos defensores dos direitos humanos, a fim de criar um ambiente jurídico favorável ao seu trabalho;
v.    Garantir que a revisão da legislação de combate ao terrorismo cumpra as normas regionais e internacionais pertinentes e os Princípios e Orientações sobre os Direitos Humanos e dos Povos na Luta contra o Terrorismo em África, adoptados pela Comissão em 2015;
vi.    Abster-se de adoptar legislação repressiva destinada a restringir o espaço cívico e as actividades legítimas dos defensores para promover e defender os direitos humanos;
vii.    Adoptar legislação especial para tratar da protecção dos defensores dos direitos ambientais ou em situações de crise sanitária e de segurança ou outras crises continentais ou mundiais;
viii.    Sensibilizar e reforçar a capacidade dos vários intervenientes, incluindo os defensores, sobre as leis e regulamentos que regem a promoção e a protecção dos direitos humanos;
ix.    Tomar todas as medidas apropriadas para garantir que os defensores exerçam as suas actividades em condições de segurança, livres de qualquer ameaça à sua integridade física e moral;
x.    Prestar especial atenção à situação das mulheres defensoras dos direitos humanos, que continua a constituir uma preocupação constante do mecanismo do Relator Especial;
xi.    Abster-se de encerrar as ONG e as organizações da sociedade civil que trabalham na área da promoção dos  direitos humanos e reforçar o espaço cívico e democrático, promovendo a liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica de todos os defensores dos direitos humanos;
xii.    Assegurar que as medidas tomadas pelos Estados para combater o terrorismo e a circulação de fluxos financeiros ilícitos estejam em conformidade com a Declaração de Princípios da Comissão Africana sobre a Liberdade de Expressão em África e com os Princípios e Directrizes sobre os Direitos Humanos e dos Povos na Luta contra o Terrorismo em África; 
xiii.    Criar mecanismos apropriados para efeitos de reparação de danos sofridos pelos defensores dos direitos humanos no exercício da sua actividade;
xiv.    Encetar o diálogo e a consulta com os defensores dos direitos humanos, reconhecer publicamente e apoiar o seu trabalho através de campanhas de comunicação e informação;
x.    Encorajar o movimento associativo e evitar a burocracia no registo, que impede os cidadãos de tirarem partido dos benefícios oferecidos pela Carta Africana; 
xi.    Encorajar e promover a organização do trabalho dos defensores em redes associativas a nível nacional, sub-regional e continental;
xii.    Ser mais proactivo nas respostas às alegações de violações dos direitos dos defensores apresentadas pelo meu mecanismo e por outros mecanismos da Comissão.

    À União Africana e a outros organismos regionais e sub-regionais :

i.    Reconhecer o papel essencial dos defensores dos direitos humanos na aplicação efectiva dos princípios democráticos, do Estado de direito, da boa governação e do desenvolvimento sustentável em África;
ii.    Encorajar os Estados Membros e os órgãos da União Africana a realizarem campanhas de sensibilização sobre o papel fundamental desempenhado pelos defensores dos direitos humanos;
iii.    Criar um espaço de diálogo entre os Estados, os defensores dos direitos humanos e outros intervenientes importantes sobre os desafios, as boas práticas e os progressos na protecção dos defensores dos direitos humanos;
iv.    Fomentar e apoiar a colaboração plena entre os mecanismos nacionais, regionais e internacionais de direitos humanos.

    Às instituições nacionais de direitos humanos :

i.    Exercer plenamente os seus mandatos de promoção e protecção a fim de responsabilizar os Estados pelas violações cometidas contra os defensores dos direitos humanos e intervir em apoio dos defensores que são vítimas de violações dos direitos humanos;
ii.    Instituir mecanismos internos de protecção dos defensores dos direitos humanos no seio da instituição e assegurar que estes disponham de recursos suficientes e trabalhem activamente com todos os defensores dos direitos humanos;
iii.    Proceder à divulgação ampla das Directrizes sobre a liberdade de associação e de reunião em África, acompanhar a sua implementação e partilhar informações relativas às mesmas com o nosso mecanismo.
iv.    Continuar com as iniciativas de realização regular do Fórum das INDH como prelúdio das sessões da Comissão.

    Às organizações da sociedade civil : 

i.    Continuar a colaborar com os mecanismos nacionais, regionais e das Nações Unidas para a promoção e protecção dos direitos humanos, a fim de prevenir e responder às violações dos direitos humanos cometidas contra as populações e os defensores dos direitos humanos;
ii.    Não se focalizar simplesmente na satisfação de certos direitos humanos (o direito à liberdade de reunião, por exemplo) em detrimento de outros (o direito à vida; os direitos económicos, sociais e culturais e os direitos colectivos) e procurar manter o equilíbrio necessário para que a satisfação de certos direitos não conduza à destruição de outros;
iii.    Constituir e reforçar redes de defensores nacionais e regionais, a fim de promover a colaboração e uma actuação intersectorial que permitam estabelecer alianças com diversos grupos;
iv.    Desenvolver métodos inovadores para envolver o público em geral, os actores políticos e outros líderes de opinião, incluindo os meios de comunicação social, no trabalho dos defensores dos direitos humanos;
iv.    Respeitar as leis e regulamentos em vigor e levar a cabo as suas actividades em conformidade com os textos internacionais, regionais e nacionais sobre a matéria;
iv.    Evitar a instrumentalização política das suas actividades e contribuir mutuamente para o reforço das capacidades de cada um;
v.    Proceder à divulgação ampla das Directrizes sobre a liberdade de associação e de reunião em África, acompanhar a sua implementação e partilhar informações relativas às mesmas com o nosso mecanismo.
vi.    Prosseguir as suas actividades de promoção e defesa dos direitos humanos e encetar um diálogo construtivo com os vários actores intervenientes. 

    Para os meios de comunicação social
i.    Encetar um diálogo com todos os defensores dos direitos humanos e apoiar os seus esforços para fazer avançar os direitos humanos, o Estado de direito, a mudança social e o desenvolvimento;
ii.    Trabalhar em solidariedade com os defensores dos direitos humanos para que estes possam informar-se a si próprios e ao público de forma apropriada.

    Aos líderes religiosos e tradicionais
i.    Trabalhar para eliminar os obstáculos ao trabalho dos defensores dos direitos humanos e das organizações da sociedade civil, nomeadamente o acesso às comunidades;
ii.    Trabalhar para evitar práticas negativas que são fontes de descriminação contra as mulheres defensoras dos direitos humanos e os defensores dos direitos humanos que trabalham com pessoas criminalizadas e/ou discriminadas, como os trabalhadores (as) do sexo, as pessoas que vivem com o VIH e as pessoas de diversas orientações e identidades sexuais.

    Parceiros Técnicos e Financeiros
i.     Ao mesmo tempo que lhes agradeço pelo apoio permanente, encorajo-os a continuar a apoiar o mecanismo, os Estados Partes, as instituições nacionais e a sociedade civil nos seus esforços para promover e proteger melhor os direitos dos defensores dos direitos humanos.
 

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