A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Comissão Africana) manifesta a sua profunda preocupação com o agravamento da crise de deslocação no norte de Moçambique, onde o recrudescimento dos ataques de grupos armados não estatais provocou um dos maiores movimentos populacionais registados este ano, principalmente na província de Nampula, com movimentos massivos registados na cidade de Nampula, bem como nos distritos de Erati e Memba.
De acordo com informações recebidas pela Comissão, cerca de 107 000 pessoas fugiram das suas casas nas últimas duas semanas, elevando para 330 000 o número de pessoas deslocadas nos últimos quatro meses, enquanto mais de 600 000 continuam deslocadas num contexto cumulativo de conflito e choques climáticos. Fontes concordantes alertam para uma situação humanitária alarmante, caracterizada por deslocações repetidas, necessidades básicas não satisfeitas e riscos acrescidos, sobretudo para as crianças.
A Comissão Africana nota com particular preocupação que as crianças representam cerca de dois terços das pessoas deslocadas no período recente e que terão sido relatadas violações graves — incluindo raptos e recrutamento e utilização de crianças — nas zonas afectadas. As perturbações dos serviços essenciais (saúde, água, educação, protecção), bem como as tensões sobre as capacidades de acolhimento, num contexto de recursos limitados, expõem as populações deslocadas a riscos acrescidos de violência, exploração e violações da sua dignidade.
A Comissão recorda que os Estados Partes na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos são obrigados a respeitar e garantir, sem discriminação, os direitos fundamentais de todas as pessoas sob a sua jurisdição, incluindo as pessoas deslocadas internamente, e a prevenir qualquer forma de violência, maus-tratos e violações da integridade física e moral.
A este respeito, a Comissão salienta que a resposta às deslocações internas deve ser orientada por uma abordagem centrada na protecção, na prevenção e na busca de soluções duradouras, baseadas na segurança, na dignidade e no caráter voluntário. Tal enquadramento está em consonância com o espírito e as obrigações da Convenção da União Africana para a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente em África (Convenção de Kampala), adoptada em 23 de Outubro de 2009 — um instrumento pioneiro a nível mundial — que entrou em vigor em 06 de Dezembro de 2012 e cujo 16.º aniversário acaba de ser celebrado.
A Comissão apela, por conseguinte, às autoridades moçambicanas e a todos os intervenientes envolvidos para que: (i) reforcem imediatamente a protecção dos civis nas zonas afectadas, nomeadamente em Nampula (cidade), Erati, Memba e Palma; (ii) garantam um acesso humanitário seguro, rápido e sem impedimentos; (iii) assegurem o registo, a documentação e o acesso não discriminatório aos serviços essenciais; (iv) previnam e punam todas as violações, em particular as que visam crianças, mulheres e raparigas; e (v) implementem as obrigações decorrentes da Carta Africana e da Convenção de Kampala, a fim de transformar a emergência em respostas estruturais e sustentáveis.
Por fim, a Comissão Africana lança um apelo urgente à comunidade internacional para que reforce o seu apoio à protecção das pessoas forçadas a fugir, apoie as comunidades de acolhimento já fortemente solicitadas e evite uma nova deterioração da crise.
Banjul, aos 07 de Dezembro de 2025
Ilustre Comissária Selma SASSI-SAFER
Relatora Especial sobre Refugiados, Requerentes de Asilo, Pessoas Deslocadas Internamente e Migrantes em África
Ilustre Comissária Maria Teresa MANUELA
Comissária responsável pela situação dos direitos humanos na República de Moçambique








