Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas 02 de Novembro de 2025

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A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) junta-se à comunidade internacional na celebração do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra os Jornalistas, que é comemorado anualmente em 02 de Novembro.

Em Dezembro de 2013, a Assembleia Geral da ONU adoptou a Resolução A/RES/68/163 sobre a segurança dos jornalistas e a questão da impunidade, reconhecendo que o exercício da profissão jornalística frequentemente expõe os profissionais a riscos acrescidos de intimidação, assédio e violência. Ao proclamar o dia 02 de Novembro como o Dia Internacional para o Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, a Assembleia Geral condenou inequivocamente todos os ataques e actos de violência contra jornalistas e profissionais da comunicação social, e apelou à criação de um ambiente seguro e favorável, que lhes permita exercer as suas funções com independência e sem interferências indevidas. 

Os jornalistas desempenham um papel fundamental na sociedade, especialmente no que diz respeito à liberdade de expressão e ao livre fluxo de informação. Silenciar os jornalistas não apenas limita o fluxo de informação, como também prejudica a capacidade dos cidadãos de exercer os seus direitos democráticos. Este papel fundamental reflecte-se na Declaração sobre Princípios de Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África (a Declaração), adoptada pela Comissão para aprofundar o âmbito do artigo 9.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, reconhecendo “o papel fundamental dos meios de comunicação social e de outros meios de comunicação para assegurar o pleno respeito pelo direito à liberdade de expressão, promover o livre fluxo de informação e ideias, ajudar os indivíduos a tomarem decisões informadas e facilitar e fortalecer a democracia.”  

Em África, os ataques contra jornalistas continuam a aumentar, verificando-se igualmente uma tendência crescente para que, além de ocorrerem fisicamente, sejam também cada vez mais praticados digitalmente. Os ataques digitais contra jornalistas ocorrem de diversas formas e evoluem à medida que surgem novas tecnologias. O aumento da violência digital, que afecta de modo cada vez mais desproporcionado as mulheres, sendo as jornalistas as que mais sofrem com este fenómeno, é motivo de profunda preocupação. Silenciar as jornalistas representa um atentado à própria democracia.

As mulheres nos meios de comunicação social enfrentam riscos acrescidos, sendo alvo de ataques dirigidos e desproporcionais, tanto no espaço físico como no digital.  De acordo com o Centro Internacional para Jornalistas, 73% das jornalistas inquiridas sofreram algum tipo de violência digital, com 25% das mensagens recebidas a ameaçar a violência física e 18% a ameaçarem a violência sexual. 

“Embora o mundo digital devesse ser um espaço de inovação e empoderamento, tornou-se um campo de batalha onde as mulheres enfrentam assédio, intimidação e violência.”  Infelizmente, a revolução digital agravou formas pré-existentes de violência baseada no género, como o assédio sexual, a perseguição, o discurso de ódio, a desinformação, a difamação e a falsificação de identidade, ao mesmo tempo que gerou novas formas de abuso, como pirataria informática, manipulação da opinião publica, abuso baseado em vídeos e imagens como doxing (divulgação de informações pessoais sem permissão), ciberperseguição e aliciamento digital.  Além disso, “as ameaças impulsionadas pela IA, incluindo a disseminação de desinformação baseada no género, vigilância, deepfakes (ficheiros de vídeo, imagem ou voz manipulados usando IA) e outras formas de assédio, têm vindo a intensificar-se, configurando um fenómeno emergente conhecido como violência baseada no género facilitada pela tecnologia (TFGBV), tornando-se, cada vez mais prevalente com o avanço da inteligência artificial generativa.”  

Para além de constituírem violações do artigo 9.º da Carta Africana, que garante aos indivíduos o direito de receber informação, bem como o direito de expressar e divulgar informação, estes ataques contra as mulheres constituem, sem dúvida, violações do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África (o Protocolo de Maputo), que define a violência contra as mulheres como incluindo actos que causam danos psicológicos ou económicos, ou ameaças de restrições arbitrárias ou privação de liberdades fundamentais. Além disso, o artigo 3.º do referido protocolo garante o direito à dignidade e apela aos Estados para que implementem medidas adequadas para garantir a protecção de todas as mulheres contra todas as formas de violência, em especial a sexual e a verbal.

Este compromisso é reafirmado na própria Declaração, que no seu Princípio 5 estabelece que “o exercício dos direitos à liberdade de expressão e de acesso à informação deverá ser protegido contra interferências, tanto online como offline. Em função destes princípios, os Estados deverão interpretar e implementar a protecção destes direitos na presente Declaração e noutras normas internacionais relevantes.” Além disso, o n.º 6 do Princípio 20 determina que os Estados devem “tomar medidas específicas para garantir a segurança de jornalistas e profissionais dos meios de comunicação do sexo feminino, abordando preocupações de segurança específicas de género, inclusive violência sexual e com base em género, intimidação e assédio.”

Perante esta preocupação emergente, a Comissão adoptou a Resolução CADHP/Res.522(LXXII)2022 sobre a Protecção das Mulheres contra a Violência Digital em África,  que exorta os Estados a, entre outras medidas, rever ou adoptar legislação destinada a combater todas as formas de violência digital, bem como alargar a definição de violência baseada no género, de modo para incluir a violência digital contra as mulheres, incluindo o assédio cibernético, a ciber-perseguição, o discurso de ódio sexista, entre outras formas de violação relacionadas.

Por ocasião da comemoração deste ano do Dia Internacional para o Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, a Comissão aproveita esta oportunidade para condenar todas as formas de violência contra jornalistas, incluindo ameaças físicas, homicídio, sequestro, tomada de reféns, intimidação, detenção arbitrária e tortura, bem como assédio offline e online.  Tendo igualmente em consideração a crescente preocupação com os impactos negativos da era digital, que afectam de forma desproporcionada as jornalistas, a Comissão condena sem reservas esta forma de violência e exorta os Estados a adoptarem medidas concretas, incluindo a adopção de leis e políticas sensíveis ao género, a fim de garantir um ambiente favorável no qual todas as jornalistas possam exercer o seu trabalho sem receio de qualquer forma de assédio ou intimidação. Além disso, estas violações, que incluem ameaças de agressão sexual e violência física, linguagem abusiva, mensagens privadas de assédio, tentativas de prejudicar a reputação profissional ou pessoal, ataques à segurança digital, manipulação de imagens e ameaças de natureza financeira devem ser investigadas de forma rigorosa, assegurando a responsabilização dos autores e a reparação às vítimas, incluindo o apoio médico e psicológico necessário. Do mesmo modo, é essencial que os Estados promovam campanhas públicas de sensibilização para aumentar a consciencialização sobre a violência digital e assegurar a protecção efectiva dos direitos das pessoas afectadas por estas práticas. 

As agressões digitais dirigidas às jornalistas representam hoje uma das ameaças mais preocupantes à liberdade de imprensa e ao próprio processo democrático, o que contribui para a impunidade dos crimes contra jornalistas. Combater essa violência requer uma abordagem interseccional que envolva todos os actores relevantes, incluindo Estados, plataformas de redes sociais, associações de jornalistas, organizações da sociedade civil, entre outras. As empresas de tecnologia, por onde circulam grande parte destes abusos, têm sido lentas em apoiar as jornalistas que se tornam alvo destes ataques, e ainda mais em bloquear os seus agressores. A Comissão reafirma o seu compromisso de trabalhar com todas as partes interessadas para resolver esta questão e todas as outras formas de crimes contra jornalistas, com o objectivo de garantir uma verdadeira liberdade de imprensa em África. Acabar com a impunidade dos crimes contra jornalistas continua a ser um desafio da actualidade. Infelizmente, as ameaças de violência e os ataques a jornalistas não são devidamente investigadas. Esta impunidade encoraja os autores destes crimes, ao mesmo tempo que tem um efeito dissuasor sobre os jornalistas. Os Estados africanos devem, por isso, condenar veementemente todos os ataques contra jornalistas, ocorram quer online quer offline, e garantir investigações rigorosas e celeridade na responsabilização judicial dos autores destes crimes. As empresas de tecnologia devem aumentar as suas avaliações de risco relativamente às ameaças digitais dirigidas a jornalistas e tomar medidas decisivas para lidar com essas violações através dos seus serviços.  Os intervenientes dos meios de comunicação social têm de se mobilizar melhor quando existem tais ameaças contra os seus colegas e fazer companha pela justiça. A sociedade civil, por sua vez, deve exigir o respeito pelo Estado de Direito e a protecção dos direitos dos jornalistas e, finalmente, a sociedade como um todo precisa reconhecer que a segurança dos jornalistas contribui para que tenham acesso a informações fiáveis e credíveis. Quando todos estes actores trabalharem em conjunto, a mensagem enviada é clara: ataques contra jornalistas não serão tolerados. Tal cooperação contribui para criar um ambiente seguro e propício, onde os jornalistas possam exercer o seu trabalho com independência e sem interferências, um bem público que beneficia toda a sociedade. Os jornalistas são fornecedores de informação credível que contribui para o funcionamento da democracia. Ao acabar com a impunidade dos crimes cometidos contra eles, estamos a fortalecer o fluxo de informação e a consolidar a própria democracia.

Banjul, 02 Novembro de 2025

 

Ilustre Comissária Ourveena Geereesha Topsy-Sonoo
Relatora Especial para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África
Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

 

 

1.    https://achpr.au.int/en/node/902 
2.    https://rfkhumanrights.org/report/gbv-against-women-journalists-in-east-and-west-africa/
3.    https://jamlab.africa/countering-online-violence-against-women-journalists-done/ 
4.    https://cipesa.org/2025/01/african-womens-digital-safety-from-resolution-to-reality/ 
5.    https://www.unwomen.org/en/articles/faqs/digital-abuse-trolling-stalking-and-other-forms-of-technology-facilitated-violence-against-women 
6.    https://www.un.org/en/observances/end-impunity-crimes-against-journalists 
7.    Adopted by the Commission during its 72nd Ordinary Session held virtually from 19 July to 02 August 2022