Principais peritos em direitos humanos apelam à implementação já há muito devida das Regras de Banguecoque da ONU uma década após terem sido adoptadas

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GENEBRA/ BANJUL/ ESTRASBURGO/ WASHINGTON D.C. (10 DE DEZEMBRO DE 2020) – Dez anos após a adopção das Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Banguecoque), um grupo de peritos em direitos humanos com mandatos relacionados com a detenção e os direitos das mulheres* apelam conjuntamente a todos os Estados e partes interessadas relevantes a tomarem medidas urgentes para implementar as Regras de Banguecoque, de modo a proteger os direitos das mulheres na prisão e das que cumprem penas não privativas de liberdade.

As Regras de Banguecoque da ONU procuram reduzir o encarceramento das mulheres em todo o mundo e promover alternativas não privativas da liberdade, concebidas para satisfazer as necessidades das mulheres e abordar as causas das suas infracções. Dez anos após a sua adopção, porém, a população prisional feminina a nível global aumentou significativamente, e as mulheres detidas enfrentam ainda mais dificuldades e riscos para os seus direitos humanos, à medida que a pandemia da COVID-19 persiste. Estima-se agora que existam 740.000 mulheres e raparigas na prisão a nível mundial.

O aumento do número de mulheres na prisão é o resultado de uma série de fatores, incluindo as abordagens punitivas referentes a delitos não violentos e de baixo nível, que estão frequentemente associados à pobreza e políticas duras de combate à droga e resultam na prisão excessiva das mulheres, e à criminalização de comportamentos tais como o adultério, apostasia e homossexualidade. As Regras de Banguecoque reconhecem que algumas mulheres que entram em conflito com a lei não representam um risco para a sociedade e que a sua prisão pode tornar a sua reintegração mais difícil.

A reclusão de mulheres tem impacto nas crianças, famílias e sociedades. O estigma enfrentado pelas mulheres que foram detidas - juntamente com a perda de rendimentos, habitação, ou da guarda de seus filhos – leva a que muitas mulheres libertadas da detenção tenham de lidar com o desalojamento e menos oportunidades de encontrar emprego. As mulheres são frequentemente detidas em locais distantes das suas casas, o que dificulta a manutenção dos vínculos familiares e a reintegração na comunidade após a sua libertação. Os filhos de mães presas também enfrentam frequentemente estigma e discriminação, e aqueles que vivem com a mãe na prisão têm de encarar riscos particulares, tanto na altura da detenção como na altura da separação a uma certa idade.

Os múltiplos e contínuos relatos de discriminação e violência sexual e violência baseada no género contra mulheres suspeitas, arguidas e em detenção, são de extrema preocupação e podem equivaler a maus-tratos ou mesmo tortura. Muitas das disposições das Regras de Banguecoque baseiam-se no facto de que a violência contra as mulheres tem implicações específicas no contacto das mulheres com o sistema de justiça criminal, e no seu direito à não vitimização enquanto detidas. A segurança física e psicológica é fundamental para garantir os direitos humanos e melhorar os resultados para as mulheres que entram em conflito com a lei. 

Uma tendência preocupante surgiu este ano em relação ao impacto negativo das medidas de resposta da COVID-19 sobre as mulheres nas malhas dos sistemas de justiça criminal. As mulheres e raparigas representam em média apenas 2-9% da população prisional nacional e, em muitos casos foram negligenciadas no tocante às respostas à COVID-19. Em muitos países, a pandemia tem exacerbado, para as mulheres, as barreiras existentes nos domínios da manutenção da saúde e do bem-estar. A suspensão de visitas na maioria dos sistemas prisionais, tem impedido as famílias e outras redes de apoio de oferecerem bens essenciais, tais como artigos sanitários e alimentos suplementares para proporcionar uma nutrição adequada às mulheres na prisão - incluindo as mulheres grávidas e as mães que amamentam. As restrições à circulação travaram, ainda, o acesso aos cuidados de saúde materna e outros serviços e apoios vitais. Estamos também preocupados com o impacto das medidas tomadas em resposta à COVID-19 na saúde mental das mulheres, dado que uma elevada proporção de mulheres na prisão evidencia um grau de saúde mental deficiente. 

Congratulamo-nos com os muitos esforços desenvolvidos na última década para implementar as Regras de Banguecoque, inclusive os esforços envidados por vários Estados, e aplaudimos o trabalho dos defensores, sociedade civil e organismos intergovernamentais para dar vida às Regras de Banguecoque através da investigação, apoio prático às mulheres nos sistemas de justiça criminal, orientação sobre a aplicação das Regras e apoio aos Estados que trabalham em prol da sua implementação. As melhores práticas identificadas para proteger os direitos humanos das mulheres nos sistemas de justiça criminal deveriam, contudo, ser duplicadas, alargadas e tornadas acessíveis a todas as mulheres e raparigas que entram em contacto com o sistema de justiça criminal. 

Dez anos após a adopção pela Assembleia Geral da ONU das Regras de Banguecoque - as quais visam complementar as Regras Nelson Mandela da ONU, proporcionando orientação sobre uma abordagem específica baseada no género a ser empregue no tratamento dos prisioneiros e atendendo globalmente ao aumento da população prisional feminina - apelamos conjuntamente aos Estados para que implementem integralmente as Regras de Banguecoque. Mais urgente e concretamente, apelamos à implementação das seguintes medidas-chave:

  • Afastar as mulheres que cometem delitos de baixo nível para longe dos procedimentos judiciais formais e no sentido de uma resolução por organismos não judiciais, particularmente durante a pandemia da COVID-19. 
  • Fornecer respostas comunitárias aos delitos criminais cometidos por mulheres, que utilizam uma abordagem sensível ao género e baseada em experiências de trauma, e atender às causas estruturais que contribuem para o encarceramento das mulheres. 
  • Promover medidas específicas ao género como parte integrante das políticas nacionais de prevenção do crime, justiça penal e tratamento dos delinquentes, incluindo a reabilitação e reintegração das mulheres delinquentes na sociedade.
  • Ter em conta, ao condenar as mulheres, fatores atenuantes, tais como a falta de antecedentes criminais, a relativa não-severidade e natureza do crime, os antecedentes envolventes, incluindo quaisquer experiências pessoais de violência, e as responsabilidades existentes em matéria de cuidado de menores; dar prioridade às sentenças não privativas de liberdade, e assegurar que as raparigas e mulheres jovens com menos de 18 anos são detidas apenas como medida de último recurso e pelo período mais curto possível.
  • Assegurar que as medidas relativas à COVID-19 são avaliadas e ajustadas para ter em consideração as mulheres, através da recolha de dados desagregados e de relatórios sobre os efeitos específicos ao género da COVID-19 nas mulheres e raparigas nos sistemas de justiça criminal. Incluir as mulheres em regimes de libertação precoce ou de desvio, como parte das respostas à COVID-19. Assegurar que qualquer alteração aos regimes de detenção, incluindo isolamento e limites ao contacto com o mundo exterior, tem em conta os impactos específicos sobre as mulheres e raparigas. 
  • Abordar e expandir urgentemente a prestação de cuidados de saúde às mulheres na prisão, incluindo cuidados de saúde preventivos, tais como testes à COVID-19 e rastreio do cancro da mama, cuidados pré-natais e pós-natais e cuidados mentais.
  • Reanalisar e rever a legislação e práticas nacionais para assegurar que as mulheres têm acesso ao mais alto padrão de saúde possível, incluindo o pleno exercício dos seus direitos reprodutivos, sem receio de criminalização. 
  • Rever e alargar significativamente as respostas às necessidades de cuidados de saúde mental para as mulheres na prisão. Empreender esforços específicos para mitigar os impactos negativos na saúde mental das medidas COVID-19 para as mulheres detidas, incluindo através do trabalho com serviços baseados na comunidade. 
  • Assegurar a plena participação das mulheres e raparigas em todos os planos de resposta a crises e de recuperação do sistema de justiça criminal. /FIM

 

(*) Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos; Nils Melzer, Relator

Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Dubravka Šimonovic, Relatora Especial da ONU sobre a Violência contra as Mulheres, suas Causas e Consequências; Hilary Gbedemah, Presidente do Comité da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher; Najat Maalla M’jid, Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para a Violência contra Crianças; Malcolm Evans, Presidente do Subcomité da ONU para a Prevenção da Tortura; Leigh Toomey, Presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária; Elizabeth Broderick, Presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre a Questão da Discriminação contra as Mulheres na Lei e na Prática; Joel Hernández García, Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Alejandra Mora Mora, Secretária Executiva da Comissão Interamericana de Mulheres; Maria Teresa Manuela, Relatora Especial sobre Prisões, Condições de Detenção e Policiamento em África; Mykola Gnatovskyy, Presidente do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes. 

 

Contatos com os meios de comunicação social:   

-          No caso de a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, favor contactar Rupert Colville (rcolville@ohchr.org)

-          No caso de a Relatora Especial da ONU sobre a Tortura, favor contactar Yasmine Ashraf (yashraf@ohchr.org)

-          No caso de a Relatora Especial da ONU sobre a Violência contra as Mulheres, favor contactar Renata Preturlan (rpreturlan@ohchr.org / +41 22 9289254)

-          No caso de a Presidente do Comité da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, favor contactar Jakob Schneider (jschneider@ohchr.org / +41 22 917 9301)

-          No caso de o Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para a Violência contra Crianças, favor contactar Miguel Caldeira (caldeira1@un.org

-          No caso de o Presidente do Subcomité da ONU para a Prevenção da Tortura, favor contactar Joao Nataf (jnataf@ohchr.org

-          No caso de a Presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária, favor contactar Lucie Viersma (lviersma@ohchr.org

-          No caso de a Presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre a Questão da Discriminação contra as Mulheres, favor contactar Hannah Wu (hwu@ohchr.org / +41 22 9179152)

-          No caso de a Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, favor contactar Corina Leguizamón (CLeguizamon@oas.org / 202-370-0791)

-          No caso de a Secretária Executiva da Comissão Interamericana de Mulheres, favor contactar Violeta Colman (icolman@oas.org

-          No caso de a Relatora Especial sobre Prisões, Condições de Detenção e Policiamento em África, favor contactar Aminata Manga (MangaA@africa-union.org

-          No caso de o Presidente do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, favor contactar Michael Neurauter (Michael.NEURAUTER@coe.int/ +33 (0)3 88 41 3401)