A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão), reunida na sua 70ª Sessão Ordinária, realizada, em modo virtual, de 23 de Fevereiro a 9 de Março de 2022;
Recordando o seu mandato de promoção e protecção dos direitos humanos e dos povos em África nos termos do artigo 45.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Carta Africana);
Considerando as alíneas f) e h) do artigo 3.º do Acto Constitutivo da União Africana(Acto Constitutivo), que estipula que os objectivos da União Africana (UA) são a promoção da paz, segurança e estabilidade no continente, bem como dos direitos humanos e dos povos em conformidade com a Carta Africana e outros instrumentos relevantes em matéria de direitos humanos;
Considerando as alíneas m) e p) do artigo 4.º do Acto Constitutivo, que enuncia como princípios fundamentais o respeito pelas regras democráticas, pelos direitos humanos, pelo Estado de direito e pela boa governação; bem como a condenação e rejeição de mudanças inconstitucionais de governos;
Considerando também o artigo 30.º do Acto Constitutivo, que prevê que os governos que chegam ao poder por vias inconstitucionais não são autorizados a participar nas actividades da União;
Recordando o artigo 1.º da Carta Africana, que insta os Estados-membros a adoptarem medidas legislativas ou outras para dar efeito aos direitos e liberdades nela consagrados;
Sublinhando as disposições da Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (a Carta Africana sobre Democracia), em particular os artigos 2.º, 3.º, 5.º, 23.º, 24.º, 25.º e 26.º;
Tendo em conta os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, 7.º, 9.º e 45.º do Protocolo da CEDEAO sobre Democracia e Boa Governação, complementar ao Protocolo relativo ao Mecanismo de Prevenção e Resolução de Conflitos, Manutenção da Paz e Segurança;
Tendo em conta também as Aspirações 4 e 6 da Agenda 2063 que visam uma África pacífica e segura, bem como uma África cujo desenvolvimento é impulsionado pelas pessoas, apostando no potencial do povo africano, especialmente das suas mulheres e jovens, e no cuidado das crianças;
Recordando as disposições relevantes da Declaração de Argel AHG/Dec. 142 (XXXV), de Julho de 1999, sobre Mudanças Inconstitucionais de Governo, da Declaração de Lomé AHG/Decl.5 (XXXVI) de Julho de 2000, sobre o Quadro para uma Resposta da OUA às Mudanças Inconstitucionais de Governo, e do Protocolo de 2003 relativo à Criação do Conselho de Paz e Segurança da União Africana;
Recordando também os princípios estipulados na sua Resolução CADHP/Res.213 (LI) 2012 sobre Mudanças Inconstitucionais de Governo, de 2 de Maio de 2012, que condena as tentativas de estabelecer regimes autocráticos e mudanças inconstitucionais de governo no continente, actos que considera uma séria ameaça à estabilidade, paz, segurança e ao desenvolvimento;
Preocupada seriamente com o ressurgimento de mudanças inconstitucionais de governo em África através de tomadas de poder por parte dos militares, a extensão de mandatos através da adopção de emendas às Constituições, o fracasso dos detentores do poder depois de perderem eleições livres e justas; uma situação que tem um impacto negativo na estabilidade, na democracia sustentável e no desenvolvimento socioeconómico do continente;
Deplorando as recentes tomadas de poder por parte dos militares no Mali, Guiné- Conakry, Burkina Faso, Sudão e a tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, algumas das quais resultaram na perda de vidas, em violação dos princípios democráticos e do Estado de direito;
Ecoando a forte condenação desses actos inconstitucionais pela União Africana, Comunidades Económicas Regionais (CER), Mecanismos Regionais (MeR) e pela Comunidade Internacional;
Consciente da necessidade de recordar aos Estados africanos as suas obrigações ao abrigo do direito internacional de respeitar os princípios democráticos, os direitos humanos, o Estado de direito e a boa governação, e de promover a paz, a segurança, a estabilidade e o desenvolvimento em África;
Recordando que a tomada do poder pela força por qualquer grupo de civis ou militares é uma violação das disposições dos artigos 13.º (1) e 20.º (1) da Carta Africana;
A Comissão:
1. Reitera a sua condenação das recentes tomadas de poder por partes dos militares e outras formas de mudanças inconstitucionais dos governos em África;
2. Apela a União Africana, as Comunidades Económicas Regionais e os Mecanismos Regionais a prosseguirem um diálogo construtivo com os países em causa, com vista a assegurar um regresso rápido à ordem constitucional;
3. Exorta o Conselho de Paz e Segurança da UA a desempenhar um papel central, trabalhando com as CER, os MeR e os Estados envolvidos para assegurar uma rápida resolução das crises, conforme mandado pelo seu Acto Constitutivo;
4. Exorta o Conselho de Paz e Segurança da UA e os Estados-membros da UA a implementar as disposições e princípios relevantes consagrados na Carta Africana sobre Democracia e na Declaração de Lomé que, inter alia, proíbe a extensão dos mandatos através da adopção de emendas às Constituições, e o não abandono do poder por parte dos detentores do poder após a perda de eleições livres e justas;
5. Insta a UA, as CER e os MeR para adoptarem medidas que abordem efectivamente as causas de fundo e os factores que conduzam a mudanças inconstitucionais de governo em África, com vista a construir uma cultura de respeito pelos direitos humanos, pelo Estado de direito e assegurar a implementação coerente da governação democrática em África, em conformidade com os tratados, instrumentos e mecanismos relevantes, tal como previsto na Agenda 2063;
6. Insta a UA a reforçar a capacidade do Conselho de Paz e Segurança da UA para enfrentar o flagelo dos conflitos, incluindo as mudanças inconstitucionais de Governos; a melhorar os seus sistemas de alerta precoce, bem como a tomar medidas regulares e eficazes de prevenção de conflitos, em colaboração com as CER e os MeR;
7. Exorta todos os Estados africanos a respeitarem e cumprirem as disposições da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, da Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Boa Governação, do Acto Constitutivo da UA e de outros instrumentos regionais e internacionais relevantes;
8. Insta os Estados-membros da União Africana que ainda não o tenham feito a ratificar, incorporar na sua legislação nacional e aplicar a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Boa Governação;
9. Encoraja os Estados a relegar a era das mudanças inconstitucionais de governos ao passado a fim de garantir o progresso e o desenvolvimento e promover um clima no qual os valores dos direitos humanos possam florescer;
10. Insta as Instituições Nacionais de Direitos Humanos, Organizações da Sociedade Civil e outras partes interessadas a intensificarem as suas actividades de advocacia e outras actividades a nível nacional, regional e continental, com vista a promover a cultura de respeito pelos direitos humanos, o Estado de direito e a implementação coerente da governação democrática em África, bem como assegurar a responsabilização dos detentores de deveres.
Feito a 9 de Março de 2022