Resolução referente à Obrigação dos Estados Regularem as Entidades Privadas Envolvidas na Prestação de Serviços de Saúde e Educação - CADHP/Rés. 420 (LXIV) 2019

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A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Comissão), reunida na sua 64ª Sessão Ordinária, em Sharm El Sheikh, República Árabe do Egipto, de 24 de Abril a 14 de Maio de 2019,

Considerando o mandato que lhe foi conferido para promover e proteger os direitos humanos e dos povos ao abrigo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Carta Africana), em particular o artigo 16 que trata do direito ao usufruto do melhor estado de saúde física e mental que seja possível alcançar, e o artigo 17 sobre o direito à educação;

Considerando o crescente envolvimento de entidades privadas na prestação de serviços sociais em África e o reconhecimento das mesmas na Agenda 2063 da União Africana e na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável;

Recordando a Declaração de Pretória sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais em África (2004); os Princípios e Directrizes sobre a Aplicação dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (2010); as Directrizes para a Elaboração de Relatórios de Estado referentes aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais enunciados na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (2012); a Resolução ACHPR / Res.141 (XXXXIIII) 2008 sobre o acesso à Saúde e Medicamentos Essenciais em África; e a Resolução ACHPR / Res. 346 (LVIII) 2016 sobre o Direito à Educação em África;

Recordando ainda o Comentário Geral № 2 às alíneas a), b), c) e f) do artigo 14.1, e às alíneas a) e c) do artigo 14.2 do Protocolo anexo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos da Mulheres em África, e o Comentário Geral № 3 à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre o Direito à Vida (artigo 4);

Considerando a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança e a “Agenda 2040: Promover uma África apta para as crianças” do Comité Africano de Peritos para os Direitos e Bem-estar da Criança (ACERWC), em particular a Aspiração 4 que procura assegurar a sobrevivência e uma infância saudável de todas as crianças, e a Aspiração 6 que visa garantir que todas as crianças beneficiem em pleno de um ensino de qualidade;

Considerando todas as normas e padrões regionais e internacionais pertinentes, incluindo o Comentário Geral № 16 do Comité das Nações Unidas para os Direitos da Criança às obrigações dos Estados no que se refere ao impacto do sector empresarial nos direitos das crianças; o Comentário Geral № 24 do Comité das Nações Unidas para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais às obrigações dos Estados nos termos do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais no Contexto de Actividades Empresariais; os Princípios de Abidjan sobre as Obrigações dos Estados na área dos Direitos Humanos com vista a Oferecer Ensino Público e a Regular o Envolvimento Privado no Ensino; e as Resoluções do Conselho para os Direitos Humanos A/HRC/29/7, A/HRC/32/22, A/HRC/35/2 e A/HRC/38/9 sobre o Direito à Educação;

Recordando que a Declaração de Pretória sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais em África (2004) expressa preocupação quanto à privatização de serviços essenciais por constringir a realização dos direitos económicos, sociais e culturais;

Preocupada que o crescente envolvimento de entidades privadas na prestação de serviços de saúde e educação ocorre muitas vezes sem se ter em consideração os direitos humanos, o que resulta numa maior discriminação no acesso a esses serviços e em menos transparência e responsabilização, o que tem um impacto negativo no usufruto dos direitos à saúde e educação;

Preocupada que certos doadores bilaterais e instituições internacionais pressionam cada vez mais os Estados partes a privatizar ou a facilitar o acesso de entidades privadas aos respectivos sectores de saúde e educação, sem ter em consideração as obrigações dos Estados partes, tal como previstas na Carta Africana;

Reafirmando que os Estados Partes têm a obrigação de proteger e realizar os direitos económicos, sociais e culturais, em particular o direito à saúde e educação sem discriminação, no âmbito dos quais os serviços públicos de qualidade afiguram-se essenciais;

Fazendo Notar o impacto positivo que as entidades privadas podem ter no contributo a dar para a realização desses direitos;

A Comissão:

1.       Apela aos Estados partes da Carta Africana a tomarem medidas políticas, institucionais e legislativas apropriadas como forma de garantir o respeito, a protecção, a promoção e a realização dos direitos económicos, sociais e culturais, em particular o direito à saúde e à educação, e a:

      i.        Cumprirem a sua obrigação de garantir o pleno usufruto do direito ao melhor estado de saúde física e mental que seja possível alcançar, e do direito à educação em conformidade com a Carta Africana e outras normas regionais e internacionais nos termos dos princípios da disponibilidade, acessibilidade e qualidade.

     ii.        Adoptarem quadros jurídicos e políticas que regulem o papel de entidades privadas na prestação de serviços sociais, e a assegurarem que o envolvimento das mesmas conforma com os padrões regionais e internacionais de direitos humanos;

    iii.        Garantirem, por meio de sistemas reguladores eficazes, a protecção do acesso a cuidados de saúde e a medicamentos necessários, contra acções negativas de terceiros, e em particular acções que afectem o acesso de grupos vulneráveis e comunidades marginalizadas;

    iv.        Garantirem que a privatização do ensino não exacerbe a discriminação de crianças no que se refere ao acesso a educação de qualidade, particularmente raparigas, crianças portadoras de deficiências, e crianças vulneráveis e marginalizadas;

     v.        Assegurarem que o envolvimento de entidades privadas na prestação de serviços sociais seja o corolário de um processo participativo de formulação de políticas e que continue a estar sujeito ao escrutínio democrático e aos princípios de direitos humanos de transparência e participação;

    vi.        Considerarem cuidadosamente os riscos que as parcerias público-privadas representam para a realização dos direitos económicos, sociais e culturais, e a assegurarem que quaisquer potenciais planos referentes a parcerias público-privadas conformam com as suas obrigações concretas, processuais e operacionais de direitos humanos e não violam as normas e princípios dos direitos contidos na Carta Africana;

   vii.        Assegurarem, por meio de avaliações de impacto periódicas que o envolvimento de entidades privadas na prestação de serviços de saúde e educação não cria impactos adversos sistémicos nos direitos humanos;

  viii.        Garantirem o acesso a recursos eficazes relativamente a violações do direito à saúde e educação ou a outras violações dos direitos humanos por entidades privadas envolvidas na prestação de serviços de saúde e educação;

2.       Lembra as entidades privadas da sua responsabilidade de respeitarem os direitos económicos e sociais, particularmente o direito à saúde e educação, e de se absterem de infringir os direitos humanos quando prestam esses serviços.

Feito em Sharm El Sheikh, 14 de Maio de 2019