Resolução sobre as indústrias extractivas e a eliminação de todas as formas de exploração nas relações económicas internacionais de África - CADHP/Res.634 (LXXXIII) 2025

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A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos  (a Comissão), reunida na sua 83ª Sessão Ordinária, realizada em Banjul, Gâmbia, de 02 a 22 de Maio de 2025:

Recordando o seu mandato relativo à promoção e protecção dos direitos humanos e dos povos em África, nos termos do artigo 45.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta Africana);

Recordando especificamente, os artigos 21.º, 22.º e 24.º da Carta Africana, sobre os direitos de todos os povos a dispor livremente das suas riquezas e recursos naturais; ao desenvolvimento económico, social e cultural; e a um ambiente globalmente satisfatório, favorável ao seu desenvolvimento; 

Sublinhando a importância estratégica do n.º 5 do artigo 21.º da Carta Africana que obriga os Estados Partes na Carta a assegurar a eliminação de todas as formas de exploração estrangeira para o estabelecimento de uma relação económica equitativa para o bem-estar social, económico, de desenvolvimento e ambiental dos povos do continente;

Considerando que a implementação efectiva da obrigação assumida pelos Estados nos termos do artigo 1º da Carta de dar cumprimento aos direitos, liberdades e deveres consagrados na Carta Africana, incluindo o direito ao desenvolvimento, exige a mobilização dos recursos necessários de fontes nacionais e internacionais;  

Profundamente preocupada com o facto de a mobilização desses recursos em África ser extremamente afetada pela natureza do lugar de África no sistema financeiro e económico mundial que, na sua configuração atual, contribui para a perda de enormes quantidades de fundos de África através de fluxos financeiros ilícitos e de várias lacunas que as empresas multinacionais, em particular as da indústria extrativa, exploram para se dedicarem à elisão fiscal; 

Lamentando que a exclusão da competência dos tribunais nacionais em matéria de investimentos estrangeiros inscrita em tratados internacionais de investimento que atribuem competência a tribunais arbitrais ou de resolução de litígios entre investidores e Estados conduza frequentemente a uma perda adicional de enormes montantes de fundos para o pagamento de acordos extrajudiciais ou decisões arbitrais, em parte devido às desigualdades estruturais decorrentes das assimetrias de poder nas relações dos Estados africanos com os estrangeiros; investidores; 

Preocupada com as graves consequências em termos de direitos humanos do custo extorsionista do acesso ao financiamento do desenvolvimento, com taxas de juro desproporcionadamente elevadas impostas aos Estados africanos, conduzindo tanto a dificuldades recorrentes de endividamento como ao desvio de uma parte significativa das receitas de serviços sociais essenciais, como a educação e a saúde, para o serviço da dívida;  

Convicta de que a mobilização de recursos para o financiamento do desenvolvimento requer justiça fiscal e reforma da injusta arquitetura financeira global e dos tratados de investimento que limitam o espaço da política orçamental, em particular dos países africanos e de outros países em desenvolvimento, no que diz respeito às obrigações fiscais que podem legalmente impor ao investimento estrangeiro e às empresas para promover os direitos humanos e dos povos, incluindo o direito ao desenvolvimento; 

Convicta ainda de que a utilização eficiente das receitas públicas com vista à promoção dos direitos humanos e do desenvolvimento exige uma política orçamental transparente e respeitadora dos direitos humanos e dos povos, que cumpra os mais elevados padrões de responsabilidade orçamental e seja acessível ao escrutínio público;   

Reconhecendo a necessidade de um regime regulamentar eficaz a nível nacional, regional e internacional que assegure um sistema fiscal justo e transparente para satisfazer os direitos fundamentais e as necessidades socioeconómicas dos povos e previna as diversas perdas financeiras acima referidas, tal como sublinhado no 2.º Fórum Regional sobre Indústrias Extractivas, Ambiente e Direitos Humanos subordinado ao tema "Indústrias extractivas,  justiça fiscal e financiamento do desenvolvimento e da ação climática em África» realizada durante a 77.ª sessão ordinária e as lições do Fórum Conjunto de Mecanismos Especiais sobre o Direito ao Desenvolvimento realizado durante a 83.ª sessão ordinária;

A Comissão:  

1.    Apela aos Estados Partes para:

(a)    rever as leis e regulamentos existentes que regem os recursos naturais e a operação de negócios estrangeiros, incluindo leis de mineração, petróleo e gás natural, bem como leis tributárias, societárias, bancárias e de investimento, de acordo com os requisitos dos artigos 21 e 24 da Carta Africana, conforme elaborado nas Directrizes e Princípios de Relatório do Estado sobre os Artigos 21 e 24 da Carta Africana e na Resolução 367 da Comissão Africana; 

(b)    estabelecer normas juridicamente vinculativas em matéria de transparência dos contratos de licenciamento, dos acordos sobre a dívida e o acesso ao financiamento do desenvolvimento, bem como sobre o cumprimento de normas elevadas da regulamentação fiscal, como medidas necessárias para combater a corrupção e os fluxos financeiros ilícitos nas indústrias extractivas e noutros domínios de investimento;   

2.    Afirmar juridicamente o direito a recursos efectivos dos indivíduos e comunidades afetados 
a.    por infrações aos direitos humanos e dos povos e violações das normas ambientais e laborais imputáveis a investidores e empresas, bem como àqueles que agem em seu nome, e a obrigação desses atores de compensar as comunidades afetadas por todas as perdas materiais e imateriais que sofreram e de limpar e reabilitar o ambiente poluído, e 
b.    pelas consequências adversas em termos de direitos humanos dos empréstimos governamentais não transparentes e não regulamentados contraídos junto de fontes nacionais e internacionais;

3.    Manifesta o seu total apoio à resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas intitulada "Promoção de uma cooperação fiscal inclusiva e eficaz nas Nações Unidas" (A/78/235) e à subsequente resolução intitulada Promoção de uma cooperação fiscal internacional inclusiva e eficaz nas Nações Unidas A/Res/78/230, liderada pelo Grupo África, para o desenvolvimento de uma convenção fiscal juridicamente vinculativa das Nações Unidas que reforce a cooperação fiscal internacional e a torne mais justa, inclusiva e eficaz; 

4.    Apela à União Africana e aos seus Estados-Membros a: 

(a)     Estabelecer um tribunal continental independente de resolução de litígios entre investidores e Estados ou um tribunal arbitral que assegure a equidade e normas de independência internacionalmente aceitáveis como alternativa eficaz ao atual sistema internacional de resolução de litígios entre investidores e Estados, ao abrigo do qual os Estados incorrem em enormes perdas; 

(b)    Manter e fazer avançar a posição comum africana sobre o estabelecimento de uma convenção-quadro juridicamente vinculativa sobre cooperação fiscal no âmbito das Nações Unidas que garanta que os Estados africanos recebam a sua quota-parte de impostos a partir dos recursos e Actividades empreendidos nos seus territórios no âmbito da Resolução A/78/235 da Assembleia Geral das Nações Unidas que o Grupo Africano em Nova Iorque defendeu;  

(c)    Mobilizar acções para fazer face aos fatores estruturais do elevado endividamento cíclico dos países africanos, que conduz ao sofrimento económico e ao desvio das limitadas receitas públicas do apoio às necessidades de desenvolvimento das populações para o serviço da dívida; 

5.    Encarrega o Grupo de Trabalho sobre Indústrias Extractivas (WGEI) a trabalhar num estudo sobre o impacto dos tratados de investimento, da dívida e dos acordos de cooperação para o desenvolvimento e de ajuda nos direitos humanos e dos povos em África, com vista a desenvolver orientações sobre a forma como os Estados partes na Carta Africana asseguram que os compromissos que assumem ao abrigo de tais tratados e acordos estão alinhados com as normas da Carta Africana, tal como previsto no artigo 21.º da Carta Africana.  

Aos 22 de Maio de 2025, em Banjul, Gâmbia