1. O mundo e a África celebram o Dia Internacional dos Defensores dos Direitos Humanos a 09 de Dezembro de 2023. É uma oportunidade ímpar para renovar, com uma nova camada de tinta, as paredes envelhecidas da nobre empresa de defesa dos direitos humanos no continente. Porque, mais uma vez, 2023 terá sido um annus horibilis neste domínio.
2. Em primeiro lugar, vários governos africanos não hesitaram em violar o artigo 5 .º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, reprimindo de forma sangrenta o trabalho dos defensores dos direitos humanos. De norte a sul, através do Centro, de leste a oeste, vidas foram interrompidas, carreiras destruídas e famílias enlutadas. Neste contexto, o advogado Thulani Maseko pagou o preço. Assim como outro advogado, Cherubin Okende, incluindo outros. As investigações previstas ainda não foram concluídas. As responsabilidades não foram estabelecidas. A impunidade ainda prevalece em todos os países.
3. Como Relator Especial para os Defensores dos Direitos Humanos, encarregue deste mandato pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, condeno nos termos mais fortes estes ataques, que violam a Declaração das Nações Unidas sobre a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos, adoptada em 1998 por todos os Estados do mundo.
4. Ao fazê-lo, mesmo que não sejam legalmente obrigados a fazê-lo, assumiram o compromisso moral de respeitar, proteger e cumprir o trabalho dos defensores dos direitos humanos, particularmente os de África. A teoria do ciclo fechado ou estranho [Esta doutrina foi concebida pelo próprio Relator Especial nas suas apresentações de trabalhos académicos na Universidade de Kinshasa.] fornece lições úteis sobre esse assunto, possibilitando manter a coesão de todos os actores do direito internacional público a longo prazo e garantir sua viabilidade: “são as organizações internacionais que proclamam os direitos humanos com o objectivo de proteger os indivíduos contra os Estados que criaram as referidas Organizações Internacionais”. Os direitos humanos, portanto, pertencem aos indivíduos e devem ser defendidos quando os Estados não os colocam em prática.
5. A impunidade que reina neste sector, e a ascensão da delinquência do Estado nesta área, só podem despertar indignação. A intolerância dos Estados em relação ao trabalho dos defensores é, por si só, um indício de sua incapacidade de gerir a Res Publica de forma transparente, embora lhes tenha sido confiada a tarefa de conduzi-la a melhores destinos (no caso, a Agenda 2063). É incompreensível que os governos ainda estejam inclinados a pensar que os defensores dos direitos humanos são causadores de problemas institucionais, simpatizantes da oposição ou de forças estrangeiras, inimigos da lei e da ordem, e assim por diante.
6. O Relator gostaria de salientar a esse respeito que o Estado como um todo, em suas instituições, é formado por defensores públicos dos direitos humanos. Caso contrário, estaria rompendo o contrato social em que se funda a sua legitimidade. Não há membros do executivo que não sejam, em primeiro lugar, defensores de direitos. Não há deputados parlamentares ou senadores que não sejam primariamente defensores de direitos. Do igual modo, não há magistrado (efectivo ou permanente) que não seja fundamentalmente um defensor dos direitos. O mesmo pode ser dito das administrações públicas (e os funcionários públicos que as administram) que são encarregues diariamente e pagas para defender os direitos fundamentais. Sem reclamar disso, e pelo trabalho que fazem, suas vidas raramente são postas em perigo, apenas pela presunção de que sendo do sector público, são por princípio, defensores de interesses públicos que não podem trair.
7. Por outro lado, quando o mesmo trabalho é realizado por actores não estatais que não estão a serviço do Estado, suas vidas são ameaçadas, represálias organizadas e ataques realizados contra eles. O Relator Especial está em cumprimento do seu dever ao denunciar essa abordagem, que é, no mínimo, discriminatória. Para ele, um Estado que defende os direitos humanos é um Estado que respeita, alcança e protege esses direitos. Basta a inexistência de uma dessas três (3) funções para que ele se encontre em uma posição diferente de Defensor quando se trata de Defensores de Direitos Humanos individuais.
8. É com razão que uma ferramenta essencial, a Lei Modelo sobre a Protecção dos Defensores de Direitos Humanos, já foi disponibilizada aos Estados, em conformidade com a Declaração das Nações Unidas acima mencionada, para que possam adoptar um quadro legislativo ou normativo para a protecção dos defensores dos direitos humanos. Na África Ocidental, na região da CEDEAO, o modelo de negócios proposto desta forma logo encontrou uma resposta favorável. Esta é uma oportunidade para felicitar a Costa do Marfim, Burkina Faso, Mali e Níger, que já implementaram quadros legislativos de protecção. Na África Central, na região da CEEAC, a República Democrática do Congo abriu recentemente (segundo semestre de 2023) o caminho. Ao mesmo tempo que felicito estas duas regiões, gostaria de aproveitar a oportunidade desta efeméride para incentivar as outras regiões a fazerem o mesmo.
9. Foi também com razão, e para acelerar este processo, que solicitei à Comissão que acordou e adoptou uma resolução sobre a necessidade de uma Declaração Africana sobre a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos, tentando tornar a referida Declaração das Nações Unidas mais concreta e viva, tendo em conta valores, culturas e tradições africanas comuns. Os comentários das partes interessadas consultadas (Estados, Instituições Nacionais de Direitos Humanos, Organizações Não Governamentais e sociedade civil plural, cidadãos africanos, etc.) levarão a um texto acordado que será submetido para validação final pela Comissão nos próximos dias.
10. A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Protocolo de Maputo e o Protocolo de Kampala não serão autoexecutáveis sem o trabalho dos Defensores dos Direitos Humanos em todos os setores. O mesmo será aplicável se o Protocolo sobre Pessoas Idosas e o Protocolo sobre Pessoas com Deficiência entrarem em vigor nos próximos anos. As inúmeras decisões ou normas recomendadas formuladas pela Comissão não exigem muito. O mesmo acontece com o impressionante corpo de jurisprudência da Comissão, que abrange 40 anos de trabalho de protecção.
Gostaria de desejar a todos os Defensores dos Direitos Humanos em África um feliz aniversário. Espero que 2024 seja um annus mirabilis para todos eles.
Remy Ngoy Lumbu
Relator Especial sobre Defensores de Direitos Humanos
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