DECLARAÇÃO POR OCASIÃO DO DIA INTERNACIONAL DE APOIO ÀS VÍTIMAS DE TORTURA

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Como é tradição, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) e o seu Comité para a Prevenção da Tortura em África (CPTA), juntam-se à comunidade internacional para assinalar o 26 de Junho, o Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura. Este Dia é uma oportunidade para fazer um balanço do estado de protecção das pessoas contra a tortura. Para a edição de 2021, a Comissão e o CPTA elogiam os esforços contínuos de cada Estado africano e exortam os governos a tomarem medidas internas mais fortes para dar efeito aos seus compromissos internacionais. Isto estaria em consonância com o facto de 51 Estados serem partes na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CCT).

Recorde-se, o dia 26 de Junho é o aniversário da entrada em vigor da CCT.
 A CCT é o principal instrumento jurídico internacional que orienta e enquadra as legislações nacionais e a acção das organizações internacionais e sub-regionais na proibição da tortura e na luta contra as suas consequências devastadoras para as vítimas. A nível sub-regional africano, a CCT reforça o artigo 5.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

O artigo 1.º da CCT define tortura como “qualquer acto através do qual é intencionalmente infligido a um indivíduo sofrimento ou dor pronunciados, quer físicos quer mentais, com o objectivo de obter desse indivíduo ou de terceiros informações ou uma confissão, puni-lo por um acto que ele próprio ou um terceiro indivíduo tenham cometido ou em relação ao qual sejam suspeitos de o ter cometido, ou intimidar ou coagir esse indivíduo ou terceiro, ou ainda por motivos de discriminação, quando a dor ou o sofrimento forem infligidos quer por um funcionário público ou outra pessoa com mandato oficial quer com o consentimento ou a aquiescência do mesmo funcionário ou funcionários”.

Assim, o CPTA também reconhece os esforços para organizar investigações em situações em que os actos de tortura parecem ter sido cometidos. A este respeito, congratula-se com a vigilância de numerosas organizações internacionais e não-governamentais e com o facto de certos Estados terem tido em conta os relatórios e as recomendações firmes produzidas por estas instituições.

Além disso, o CPTA assinala que o estado de desenvolvimento normativo estagnou nos últimos anos. O advento de uma série de crises - nomeadamente de segurança e sanitária- relegou a luta contra a tortura para segundo plano. Pior ainda, o CPTA observa que nos últimos anos, e ainda mais nos últimos meses, têm sido cometidos actos de tortura no território dos Estados Partes na CCT.

No contexto da luta contra a pandemia da Covid 19, vários Estados adoptaram medidas para prevenir e proteger as suas populações, com vista a limitar a propagação do vírus. A implementação destas medidas pelas forças de defesa e segurança resultou na prática de actos cruéis, desumanos e degradantes sobre os indivíduos. Na mesma ocasião, em 26 de Junho de 2020, a Comissão e o CPTA registaram e denunciaram estes actos de tortura e exortaram todos os intervenientes a cessar ou a pôr termo a estes actos. Este ano igualmente, a Comissão e o CPTA observam que em alguns Estados, as forças de defesa e segurança continuam a perpetrar actos de tortura, ainda sob o disfarce das leis de luta contra a pandemia.

Além disso, a luta contra o terrorismo em alguns países serve de ocasião para a negação dos direitos humanos. Os relatórios indicam que centenas de pessoas foram massacradas e frequentemente atiradas em valas comuns no quadro das missões de neutralização de membros de grupos armados. Investigações e relatórios indicam que dezenas de civis foram torturados para os forçar a colaborar com grupos armados não estatais ou forças regulares do Estado. Estas atrocidades têm-se mantido desde o início da crise de segurança em vários Estados. No entanto, este ano, a tortura no contexto da luta contra o terrorismo aumentou e tende por vezes a ser sistemática.

Investigações e relatórios sobre as crises internas e as acções de repressão de manifestações em alguns Estados africanos indicam que centenas de pessoas foram violentamente reprimidas e algumas morreram em consequência disso. Raramente são iniciadas investigações internas nestas situações para estabelecer responsabilidades e punir os perpetradores de acordo com as normas internacionais aplicáveis.

O ambiente prisional está também a violar a CCT. Foram registados e apresentados ao CPTA actos de tortura e más condições de detenção, particularmente devido à superlotação, à falta de cuidados com os detidos doentes e ao desrespeito dos direitos dos detidos.

Foram igualmente registados actos de tortura com base em elementos de discriminação. Os indivíduos, devido à sua orientação sexual, foram sujeitos a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Além disso, algumas pessoas foram sujeitas a tortura por causa da sua deficiência; algumas tiveram partes do seu corpo removidas. É particularmente o caso de pessoas com albinismo.

A Comissão e o CPTA solicitam aos Estados que não usem o véu da situação sanitária ligada à pandemia da Covid 19, e da situação de segurança, precisamente a luta contra o terrorismo, para cometerem actos de tortura contra indivíduos. No mesmo sentido, apelam aos Estados a abandonarem as suas leis gerais que permitem efectuar detenções, buscas e detenções arbitrárias contrárias às normas internacionais e regionais. Por outro lado, a Comissão e o CPTA exortam os Estados a adoptar leis específicas e claras para criminalizar a tortura e a aderir estritamente aos seus compromissos internacionais de protecção dos direitos humanos. É óbvio que estas acções devem colocar no centro de qualquer sistema de combate à tortura as vítimas para as quais a reparação e a reabilitação são inseparáveis de qualquer restabelecimento final da sua dignidade humana, que foi violada pela intrusão brutal que qualquer acto de tortura constitui contra elas.

Por seu turno, a Comissão e o CPTA continuam empenhados na missão de combate à tortura e reiteram o seu total apoio às vítimas. É neste sentido que a Resolução CADHP/Res.472 (LXVII) 2020 sobre a proibição da utilização, produção, exportação e comércio de instrumentos de tortura, foi adoptada na 67.ª Sessão Ordinária, realizada virtualmente de 13 de Novembro a 03 de Dezembro de 2020. Isto está em consonância com a renovação em 2021 do tema do CPTA para o ano 2020, nomeadamente "a proibição da utilização, produção e comércio de equipamentos ou substâncias destinadas a infligir tortura ou outros maus-tratos", uma vez que a luta contra a tortura é uma acção holística que integra necessariamente a identificação e desmantelamento, destruição ou relativa desactivação dos meios e instrumentos utilizados na perpetração de actos de tortura.