Resolução sobre a necessidade de uma melhor protecção das mulheres condenadas à morte em África - CADHP/RES. 483 (EXT.OS/ XXXI1I) 2021

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A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) reunida na sua 33ª Sessão Extraordinária, realizada de forma virtual de 12 a 19 de Julho de 2021:

Recordando o mandato que lhe foi conferido para promover e proteger os direitos humanos e dos povos em África nos termos do artigo 45º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Carta Africana);

Recordando o artigo 4º da Carta Africana, no qual vem disposto que “A pessoa humana é inviolável. Todo o ser humano tem direito ao respeito pela sua vida e integridade da sua pessoa. Ninguém pode ser arbitrariamente privado deste direito”, e o artigo 5º que determina que “Todo o indivíduo tem direito ao respeito pela dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento do seu estatuto jurídico. São proibidas todas as formas de exploração e degradação do ser humano, nomeadamente [...] a tortura, tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes”;

Considerando a alínea j) do nº 2 do artigo 4º do Protocolo anexo à Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres que garante que “nos países onde ainda vigore a pena de morte, não devem ser executadas sentenças de morte relativamente a mulheres grávidas ou lactantes”;

Considerando as suas Resoluções CADHP/Res.42(XXVI)99, CADHP/Res.136 (XXXXIV)08 e CADHP/Res. 375 (LX) 2017, nas quais se exorta, entre outras coisas, os Estados partes da Carta Africana a considerarem uma moratória para a pena de morte e a ratificarem o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, tendo em vista a abolição da pena de morte;

Tendo em conta a Resolução CADHP Res. 416 (LXIV) 2019 sobre o direito à vida, na qual se exorta os Estados partes da Carta Africana que adoptaram uma moratória para as execuções a tomar medidas adicionais concretas tendo em vista a abolição da pena de morte relativamente a todas as pessoas, independentemente do género;

Recordando o Comentário Geral nº 3 ao artigo 4º da Carta Africana sobre o direito à vida, e o Comentário Geral nº 36 (2018) ao artigo 6º do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, sobre o direito à vida;

Recordando também as oito resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas adoptadas em 2007, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016, 2018 e 2020 que apelam a todos os Estados que ainda mantêm a pena de morte a, entre outras coisas, considerarem uma moratória para as execuções tendo em vista a abolição da pena de morte;

Recordando ainda a realização de duas conferências regionais sobre a questão da pena de morte em África, em Setembro de 2009 para os países da África Central, Oriental e Austral, e em Abril de 2010 para os países da África Ocidental e da África Setentrional, que recomendaram a elaboração de um Protocolo anexo à Carta Africana sobre a abolição da pena de morte em África, e a primeira Conferência Continental sobre a Pena de Morte, no Benim em 2014, que criou espaço para um debate aberto sobre a questão da pena de morte em África, bem como a necessidade de os Estados membros da União Africana (UA) apoiarem a adopção de um protocolo regional sobre a abolição da pena de morte;

Saudando a realização do Congresso Regional Africano contra a Pena de Morte em Abidjan, em Abril de 2018, que reitera o seu apoio à abolição da pena de morte em África e à adopção da proposta de Protocolo anexo à Carta Africana sobre a abolição da pena de morte;

Realçando a tendência contínua, a níveis continental e mundial, em prol da abolição da pena de morte, e o facto de 23 Estados partes da Carta Africana terem abolido a pena de morte por lei[1] ;

Fazendo notar que apenas 16[2] dos 54 Estados partes da Carta Africana ratificaram o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos com vista à abolição da pena de morte;

Fazendo também notar que 28 países africanos[3] votaram a favor da Resolução 75/183 (2020) da Assembleia Geral das Nações Unidas que apela a uma moratória para as execuções; 

Lamentando o facto de 18 Estados africanos[4] decretaram sentenças de morte em 2020, e que 4[5] deles executaram as sentenças;

Considerando que a pena de morte não tem um efeito dissuasor comprovado, e que a sua aplicação é irreversível e constitui uma grave violação do direito à vida e do direito à dignidade humana, tal como proclamado nos artigos 4 e 5 da Carta Africana;

Observando também que a maioria dos crimes pelos quais as mulheres são condenadas revela formas de desigualdades de género;

Reafirmando o seu compromisso em promover o direito à vida e à dignidade humana como direitos fundamentais, e em encorajar os Estados partes a abolirem a pena de morte;

A Comissão:

1. Exorta os Estados Partes na Carta Africana que ainda mantêm a pena de morte a:

  • Respeitarem na íntegra o direito à vida e o direito à dignidade humana e, em conformidade com os requisitos das leis regionais e internacionais, concretizar progressivamente a abolição da pena de morte, eliminando-a relativamente a todas as infracções, e em particular as que não satisfazem a norma de “crimes mais graves”;
  • Comutarem as penas de morte de todas as pessoas presentemente no corredor da morte, especialmente mulheres que tenham sido condenadas, cujas infracções não satisfaçam a norma de “crimes mais graves”, incluindo crimes que não envolvem a eliminação intencional de vidas humanas;
  • Abolirem a pena de morte e a ratificarem o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, tendo em vista a abolição da pena de morte;
  • Executarem políticas e reformas legislativas que impeçam a aplicação da pena de morte, particularmente quando as mulheres agem contra os seus agressores, e a comutarem as penas das mulheres presentemente no corredor da morte em tais situações;
  • Limitarem o uso de grilhetas ou quaisquer outras restrições em mulheres no corredor da morte, de acordo com as Regras de Nelson Mandela, e a proibirem em absoluto o seu uso durante a gravidez, parto e amamentação, conforme o exigido nas Regras de Banguecoque;
  • Prestarem serviços de saúde especificamente destinados a mulheres no corredor da morte, incluindo por meio da formação de pessoal a fim de reconhecer e tratar sintomas de doenças mentais, e assegurar que as mulheres tenham acesso a produtos sanitários gratuitos, e a envidarem esforços para alojar as mulheres geograficamente perto de suas casas e comunidades a fim de facilitar o contacto com o mundo exterior;
  • Permitirem e a encorajarem a participação de mulheres no corredor da morte em programas de educação e em outros programas de reabilitação em prisões; e
  • Aumentarem a transparência, tornando públicos os dados e informações sobre o número de mulheres no corredor da morte, desagregados por idade e consoante os delitos pelos quais foram condenadas, a fim de se conceder um maior apoio a investigações e a políticas e práticas baseadas em provas.

2. Exorta os Estados partes que tenham adoptado uma moratória para as execuções a tomarem medidas concretas adicionais visando a abolição plena da pena de morte por lei.

3. Apela a todos os Estados partes a

  • Reformarem leis e a darem formação a entidades judiciais a fim de garantir que o historial de abusos seja considerado como factor atenuante nos casos pertinentes, incluindo através da codificação das defesas e das circunstâncias atenuantes especificamente relacionadas com o género;
  • Garantirem a segurança das mulheres detidas, mediante o recrutamento e formação de pessoal prisional feminino para fiscalização de mulheres, e a proibição do uso prolongado de isolamento e a recusa punitiva de visitas, em conformidade com as Regras de Nelson Mandela das Nações Unidas e as Regras de Banguecoque; e a
  • Apoiarem a adopção pela União Africana da proposta de Protocolo anexo à Carta Africana sobre a abolição da pena de morte, adoptada pela Comissão em 2015.

 

Feito de forma virtual em 19 de Julho de 2021

 

[1] África do Sul, Angola, Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Congo, Côte d'Ivoire, Djibuti, Gabão, Guiné, Guiné-Bissau, Madagáscar, Maurícia, Malawi, Moçambique, Namíbia, Ruanda, São Tomé e Príncipe, Senegal, Seychelles, Chade, Togo.

[2] África do Sul, Angola, Benim, Cabo Verde, Djibuti, Gabão, Gâmbia, Guiné Bissau, Libéria, Madagáscar, Moçambique,

Namíbia, Rwanda, São Tomé e Próncipe, Seychelles, Togo.

[3] África do Sul, Argélia, Angola, Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Chade, Congo, Côte d’Ivoire, Djibuti, Eritreia,

Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Madagáscar, Malawi, Mali, Maurícia, Moçambique, Namíbia, Central

República Centro-Africana, Rwanda, São Tomé  e Príncipe, Seychelles, Serra Leoa, Togo, Tunísia.

[4] Botswana, Camarões, Comores, República Democrática do Congo, Gâmbia, Gana, Quénia, Malawi, Mali, Mauritânia,

Níger, Nigéria, Serra Leoa, Somália, Sudão, Sudão do Sul, Zâmbia, Zimbabwe

 

[5] Botswana, Egipto, Somália e Sudão do Sul.