DECLARAÇÃO DO SEGUNDO FÓRUM CONJUNTO DOS MECANISMOS ESPECIAIS DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS

share

DECLARAÇÃO DO SEGUNDO FÓRUM CONJUNTO DOS MECANISMOS ESPECIAIS DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS

 

 

PREÂMBULO

 

CONSIDERANDO que a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a seguir designada «Comissão») convocou o Segundo Fórum Conjunto dos Mecanismos Especiais da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 05 a 06 de Maio de 2025, em Banjul, República da Gâmbia;

 

CONSIDERANDO que o Segundo Fórum é realizado na sequência do Primeiro Fórum Conjunto de Mecanismos Especiais da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, realizado de 25 a 27 de Abril de 2024 em Dacar, República do Senegal, sob o lema "Avançar na protecção e promoção dos direitos humanos em África: Reforçar os compromissos,  superação de desafios e reforço de oportunidades".

 

CONSIDERANDO que o Segundo Fórum foi convocado com os seguintes objectivos:

 

  1. Discutir e destrinçar o direito ao desenvolvimento em África, com particular ênfase no reconhecimento dos direitos humanos como um imperativo para a realização do desenvolvimento sustentável;
  2. Discutir e destacar o direito ao desenvolvimento na perspectiva dos mandatos temáticos da Comissão, destacando a sua inter-relação;
  3. Rever e reflectir sobre os progressos realizados pelos mecanismos especiais no sentido de contribuírem para a execução do mandato da Comissão, nomeadamente no que diz respeito ao direito ao desenvolvimento, identificando desafios e propondo estratégias para uma maior eficácia na sua contribuição; e
  4. Fornecer uma plataforma para o intercâmbio de melhores práticas entre as partes interessadas relevantes, explorar abordagens inovadoras e vias criativas para novas parcerias entre a Comissão, os Estados Partes, as ONGs e outros intervenientes, enfatizando a responsabilidade colectiva pela concretização dos direitos humanos em África.

 

CONSIDERANDO que o Fórum Conjunto contou com 239 participantes, dos quais se incluem: 11 Comissários, 70 representantes dos Estados Partes, 04 representantes dos órgãos/departamentos/instituições especializadas da União Africana (UA), 02 representantes de organizações internacionais, 07 representantes de instituições nacionais de direitos humanos (INDHs), 105 representantes das organizações da sociedade civil (OSC) e 05 membros dos meios de comunicação social, para além de  35 funcionários do secretariado da Comissão.

 

 

 

CONSIDERANDO queos debates do Fórum se centraram nos seguintes pontos:

 

  1. Alinhar a ajuda ao desenvolvimento e os investimentos com os direitos socioeconómicos dos Estados e as obrigações em matéria de desenvolvimento sustentável ao abrigo da Carta Africana;
  2. A promoção e protecção do direito à saúde como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável em África – lições retiradas das estratégias de resposta a emergências de saúde pública;
  3. Promover a inclusão no desenvolvimento: Proteger os direitos dos grupos vulneráveis – incluindo prisioneiros, pessoas com deficiência, idosos, mulheres, refugiados, deslocados internos e crianças – para o desenvolvimento sustentável em África;
  4. Respeito pela vida e dignidade humana para um desenvolvimento harmonioso e inclusivo;
  5. Recursos naturais, relações económicas internacionais de África e direito ao desenvolvimento;
  6. A Justiça como Pilar da Sustentabilidade: o Papel dos Tribunais no Avanço dos Direitos Humanos e dos Objetivos de Desenvolvimento;
  7. Fazer face aos conflitos, às alterações climáticas e à migração induzida pelo desenvolvimento;
  8. Liberdade de associação, reunião, expressão e acesso à informação como facilitadores do desenvolvimento humano e sustentável.

 

 

AGORA, PORTANTO, o Fórum formula as seguintes recomendações às seguintes partes interessadas:

 

  1. AOS ESTADOS PARTES

 

Alinhar a ajuda ao desenvolvimento e os investimentos com os direitos socioeconómicos dos Estados e as obrigações em matéria de desenvolvimento sustentável ao abrigo da Carta Africana:

 

  1. Repensar o desenvolvimento não apenas como um objetivo técnico, mas como um imperativo moral e político enraizado na dignidade, no arbítrio e no bem-estar dos cidadãos;
  2. Garantir que os direitos socioeconómicos possam ser reivindicados judicialmente;
  3. Olhar para além da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e concentrar-se nas remessas da diáspora;
  4. Recusar a ajuda/assistência financeira que não esteja em consonância com as prioridades nacionais;
  5. Adoptar medidas para garantir o acesso à educação e a inclusão das mulheres e raparigas nas actividades económicas e a representação na função pública;
  6. Facilitar a circulação e o transporte aéreo dentro de África;
  7. Combater as disparidades de desenvolvimento, assegurar a redução do desemprego e da pobreza.
  8. Estabelecer quadros eficazes para assegurar que os recursos naturais sejam utilizados principalmente para promover o desenvolvimento dos povos;
  9. Estabelecer mecanismos de combate aos fluxos financeiros ilícitos e pôr termo à exploração dos recursos naturais pelas multinacionais, de forma a mobilizar os fundos necessários à promoção do direito ao desenvolvimento;
  10. Fazer da adaptação o pilar fundamental da política em matéria de alterações climáticas;
  11. Implementar mecanismos constitucionais e legais de responsabilização e reparação, mas também de responsabilização política dos atores e processos de decisão.

 

A promoção e protecção do direito à saúde como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável em África – lições retiradas das estratégias de resposta a emergências de saúde pública:

 

  1. Empenhar-se na realização de cuidados de saúde universais e no acesso a medicamentos essenciais;
  2. Adoptar regulamentos legislativos e políticos que melhorem o acesso aos cuidados de saúde;
  3. Reforçar a responsabilização;
  4. Afectar recursos financeiros internos adequados a serviços de saúde de qualidade nos orçamentos nacionais, em conformidade com a Declaração de Abuja;
  5. Investir de forma adequada e apropriada nos cuidados de saúde primários;
  6. Assegurar um financiamento interno adequado para a prevenção e os cuidados de saúde em matéria de VIH/SIDA;
  7. Investir na produção de medicamentos e abordar questões relacionadas com patentes;
  8. Abordar as questões da fuga de cérebros para garantir a retenção de médicos e outros profissionais de saúde em África, criando um ambiente propício para os mesmos;
  9. Colaborar com outros países na construção de sistemas de saúde sólidos através da investigação conjunta.

 

Promover a inclusão no desenvolvimento: Proteger os direitos dos grupos vulneráveis – incluindo prisioneiros, pessoas com deficiência, idosos, mulheres, refugiados, deslocados internos e crianças – para o desenvolvimento sustentável em África:

 

  1. Adoptar as medidas necessárias para pôr termo ao casamento infantil em África;
  2. Tomar em consideração os direitos das mulheres e das crianças no planeamento do desenvolvimento e eliminar os obstáculos estruturais à participação das mulheres nas atividades económicas;
  3. Adoptar uma abordagem da orçamentação baseada nos direitos humanos;
  4. Assegurar a participação das mulheres nas iniciativas de consolidação da paz pós-conflito;
  5. Garantir a igualdade de género e o acesso à justiça para todos;
  6. Integrar grupos vulneráveis (crianças, deslocados internos, refugiados, apátridas, povos autóctones, etc.) nos quadros de desenvolvimento e outras políticas públicas;
  7. Permitir que os refugiados trabalhem nos países de acolhimento;
  8. Ratificar e implementar o Protocolo à Carta Africana das Pessoas Idosas e o Protocolo à Carta Africana das Pessoas com Deficiência;
  9. Ratificar e implementar o Protocolo à Carta Africana sobre os Aspetos Específicos do Direito à Nacionalidade e a Erradicação da Apatridia em África;
  10. Incorporar e traduzir em leis nacionais, os instrumentos não vinculativos da Comissão em matéria de prisões, mais concretamente, em matéria relacionada com a Educação, a Formação profissional, a Saúde e a Descriminalização de Pequenos Delitos; 
  11. Ratificar e aplicar a Convenção da OUA sobre os Aspetos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África e a Convenção da União Africana para a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente em África (Convenção de Kampala).

 

Respeito pela vida e dignidade humana com vista a um desenvolvimento harmonioso e inclusivo:

 

  1. Reforçar a cooperação internacional na luta contra o terrorismo;
  2. Tomar as medidas necessárias para adotar ou manter uma moratória sobre a pena de morte e avançar no sentido da sua abolição;
  3. Adoptar as medidas legislativas, institucionais e políticas adequadas para combater a tortura.
  4. Ratificar e aplicar o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
  5. Estabelecer mecanismos nacionais independentes para a prevenção da tortura;
  6. Garantir o acesso a um advogado e a cuidados médicos a todos os detidos.

 

 

Recursos naturais, relações económicas internacionais de África e o direito ao desenvolvimento.

 

  1. Reconhecer o papel essencial das comunidades autóctones nos esforços de conservação;
  2. Emitir certidões colectivas de propriedade fundiária nos casos apropriados, a fim de garantir a segurança da posse e evitar deslocamentos forçados;
  3. Reconhecer e efectivar os direitos dos povos autóctones, tal como definidos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Autóctones;
  4. Integrar os direitos dos povos autóctones e de outras comunidades marginalizadas nos planos de desenvolvimento.

 

A justiça como pilar da sustentabilidade: o papel dos tribunais na promoção dos direitos humanos e dos objectivos de desenvolvimento

 

  1. Ratificar o Protocolo que institui o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos e depositar a declaração que permite o acesso directo de indivíduos e ONGs ao referido Tribunal;
  2. Integrar e implementar as disposições da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos;
  3. Cooperar com os mecanismos africanos de proteção dos direitos humanos e implementar as suas decisões;

 

Combater a migração causada por conflitos, clima e desenvolvimento:

 

  1. Abordar as causas profundas das deslocações forçadas;
  2. Abordar as questões da migração e das deslocações forçadas através de uma resposta abrangente, coordenada e holística;
  3. Continuar a abordar a ligação entre as alterações climáticas e as deslocações através da adopção de leis e estratégias adequadas;
  4. Abordar de forma eficaz a questão da responsabilização e compensação das pessoas forçadas a deslocar-se devido a razões relacionadas com o clima;
  5. Assegurar um maior envolvimento das pessoas deslocadas internamente na procura de soluções duradouras para as suas necessidades;
  6. Convocar uma Conferência dos Estados Partes na Convenção de Kampala para acompanhar e rever a implementação dos seus objectivos;
  7. Ratificar e aplicar plenamente a Convenção de Kampala;
  8. Proporcionar soluções sustentáveis às pessoas deslocadas internamente, garantindo as condições necessárias para o regresso voluntário ao seu local de origem, a integração local no local onde encontraram refúgio ou a reinstalação noutras partes do país;
  9. Respeitar a proibição do deslocamento forçado, exceto em circunstâncias muito específicas, respeitar as condições para que o deslocamento, se necessário, seja realizado em condições seguras para os civis e proteger os civis dos efeitos das hostilidades que possam causar deslocamento;
  10. Colaborar com os intervenientes humanitários e de desenvolvimento para satisfazer as necessidades das pessoas deslocadas no local onde residem.

 

Liberdade de associação, reunião, expressão e acesso à informação como catalisadores do desenvolvimento humano e sustentável:

 

  1. Desenvolver as infra-estruturas necessárias para colmatar o fosso digital de forma a superar o fosso rural-urbano, bem como as disparidades baseadas no género que têm caracterizado o acesso atual à Internet e a dispositivos com acesso à Internet, como os telemóveis inteligentes.
  2. Promover o acesso digital, subsidiando os custos dos gadgets digitais para aumentar a propriedade;
  3. Continuar a desenvolver quadros normativos e orientações em matéria de segurança cibernética, inteligência artificial e governo aberto;
  4. Colaborar no âmbito da Arquitetura de Governação Africana (AGA) para promover e apoiar a implementação dos respetivos mandatos dos órgãos participantes no sentido de criar um ambiente propício à democracia digital e à advocacia, incluindo o acesso a informação digital sobre governação democrática através de um portal conjunto de dados abertos;
  5. Aumentar a utilização da tecnologia cívica e do envolvimento digital nas estratégias de envolvimento dos cidadãos, particularmente nas arenas da mobilização dos cidadãos, da aprendizagem e da gestão do conhecimento;
  6. Continuar a prestar apoio político e financeiro a iniciativas tecnológicas cívicas a nível continental e nacional, por exemplo, o Fundo de Tecnologia Cívica da UA, Jovens Inovadores.
  7. Garantir o uso responsável das redes sociais.

 

  1. À COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS:

 

  1. Estabelecer um quadro abrangente para a operacionalização do direito ao desenvolvimento.
  2. Exortar os Estados a adoptarem políticas de combate à pobreza e às desigualdades económicas;
  3. Continuar a defender a ratificação de todos os tratados de direitos humanos da União Africana;
  4. Reforçar a colaboração com a Comissão Permanente de Justiça e Direitos Humanos do Parlamento Pan-Africano e prever missões conjuntas;
  5. Reforçar os mecanismos de acompanhamento da aplicação das resoluções e decisões da Comissão em matéria de tortura e homicídio;
  6. Incentivar os Estados a estabelecerem uma supervisão independente da polícia e das forças de segurança;
  7. Mobilizar os parceiros de desenvolvimento e os intervenientes do sector privado para garantir que o crescimento económico respeite os direitos humanos;
  8. Incentivar os Estados a ratificarem e implementarem o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, a criarem mecanismos nacionais de prevenção independentes e a garantirem o acesso dos detidos a aconselhamento jurídico e cuidados médicos.

 

  1. AOS ÓRGÃOS/ DEPARTAMENTOS DA UA COM MANDATO EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS:

 

  1. Promover o comércio intra-africano e a livre circulação de pessoas;
  2. Estabelecer, no âmbito do Conselho Executivo, um comité para acompanhar a implementação das decisões dos órgãos judiciais e quase-judiciais da UA;
  3. Estabelecer um regime sancionatório para a não execução das decisões dos órgãos judiciais e quase judiciais da UA.

 

  1. ÀS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL:

 

  1. Colaborar com os Estados para garantir a realização e protecção efectiva do direito à saúde e apoiar os esforços do Governo;
  2. Proporcionar formação em matéria de direitos humanos e o acesso aos mecanismos africanos de direitos humanos.

 

  1. AOS ÓRGÃOS JUDICIAIS E QUASE JUDICIAIS:

 

  1. Os juízes devem usar, citar e aplicar as convenções internacionais de direitos humanos que os Estados ratificaram em suas decisões/ acórdãos;
  2. Os mecanismos regionais de direitos humanos devem promover e incentivar a aplicação dos tratados e decisões da Comissão em matéria de direitos humanos, bem como de outros mecanismos em matéria de direitos humanos.

 

  1. ÀS INSTITUIÇÕES NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS:

 

  1. Popularizar e divulgar os instrumentos de direitos humanos da União Africana, particularmente sobre o direito ao desenvolvimento e ajudar a disseminar a abordagem dos direitos humanos ao desenvolvimento;
  2. Apoiar a implementação das decisões/recomendações dos órgãos de direitos humanos da União Africana, nomeadamente em matéria de direitos socioeconómicos.

 

 

Redigida em Banjul, República da Gâmbia, aos 06 de Maio de 2025