Resolução sobre negócios e direitos humanos em áfrica - CADHP-Res.550 (LXXIV) 2023

share

A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão), reunida na sua 74ª Sessão Ordinária, realizada de forma virtual de 21 de Fevereiro a 07 de Março de 2023:

RECORDANDO o seu mandato de promoção e protecção dos direitos humanos e dos povos em África nos termos do artigo 45º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Carta Africana);

RECORDANDO ESPECIFICAMENTE os artigos 21, 22 e 24 da Carta Africana, sobre os direitos de todos os povos: a disporem livremente das suas riquezas e recursos naturais; ao desenvolvimento económico, social e cultural; e a um ambiente geralmente satisfatório favorável ao seu desenvolvimento;

TENDO EM MENTE os nºs 3 e 5 do artigo 21º da Carta Africana, que respectivamente exigem que o direito dos povos disporem livremente das riquezas e dos recursos naturais seja exercido sem prejuízo da promoção da cooperação económica internacional que deve basear-se no respeito mútuo, no intercâmbio equitativo e nos princípios do Direito internacional, e também obrigam os Estados partes a eliminar todas as formas de exploração estrangeira, em particular as praticadas por monopólios internacionais, de modo a permitir que os seus povos beneficiem em pleno das vantagens derivadas dos seus recursos nacionais;

REAFIRMANDO as suas anteriores resoluções sobre a necessidade de uma maior protecção dos direitos humanos e do ambiente, especialmente através da concepção de mecanismos eficazes para responsabilizar entidades não estatais pelas violações dos direitos humanos em África, incluindo a Resolução ACHPR/Res. 148(XLVI) 2009, a Resolução ACHPR/Res. 364(LIX) 2016 e a Resolução ACHPR/Res. 367(LX) 2017, e REAFIRMANDO IGUALMENTE a sua nota consultiva de Outubro de 2019 endereçada ao grupo africano em Genebra, sobre o instrumento juridicamente vinculativo para regular no Direito internacional dos direitos humanos as actividades das corporações transnacionais e de outras empresas comerciais;

RECORDANDO AINDA as suas Directrizes e Princípios para a Elaboração de Relatórios de Estado sobre os Artigos 21º e 24º da Carta Africana (Directrizes para a Elaboração de Relatórios de Estado), bem como o seu Estudo de Base sobre as Operações do Sector das Indústrias Extractivas em África e os seus Impactos na Realização dos Direitos Humanos e dos Povos ao abrigo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Estudo de Base) - ambos instrumentos jurídicos não vinculativos, entre outros, debruçam-se sobre o conteúdo dos artigos 21º e 24º da Carta Africana, bem como os correspondentes direitos e deveres nela contidos;

CONSIDERANDO as obrigações que os Estados membros da União Africana (UA) subscreveram ao abrigo da Carta Africana e do Acto Constitutivo da UA de 2000, para promover, proteger e dar efeito aos Direitos Humanos e dos Povos no Continente Africano;

CONSIDERANDO AINDA os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos (UNGP), endossados pelo Conselho dos Direitos Humanos na sua Resolução 17/4 de 16 de Junho de 2011;

NOTANDO QUE a Agenda 2063 da União Africana reconhece no seu objectivo 16 que as empresas são fundamentais para alcançar todos os objectivos e aspirações da Agenda 2063, e também que a África tem atraído, ao longo das últimas duas décadas, actividades económicas de vulto, incluindo investimentos em diversos sectores empresariais e na sua economia azul;

ATENTA que a operacionalização do Acordo da Área de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) em Janeiro de 2021, um dos projectos emblemáticos da Agenda 2063 da UA, demonstrou que as empresas que fornecem bens e serviços desempenham um papel central na execução desse acordo;

CIENTE de que o respeito pelas normas e princípios dos direitos humanos pelas empresas nos países em que operam é um pré-requisito para o desenvolvimento duradouro previsto na Agenda 2063 da UA e a operacionalização do AfCFTA, e também que a integração efectiva das normas regionais aplicáveis em matéria de direitos humanos e empresariais e a concepção de mecanismos para a sua execução efectiva são importantes para assegurar esse cumprimento;

IGUALMENTE ATENTA à importância da boa governação dos recursos naturais que promovem a beneficiação, o conteúdo local, o aumento da cadeia de valores e a industrialização baseada em recursos, para se alcançar o desenvolvimento duradouro dos recursos naturais no continente africano, bem como a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais dos povos africanos,

CONSCIENTE dos desequilíbrios de poder, da pressão de atrair investimento, bem como dos obstáculos legais e das lacunas, entre outros, que criam condições para a violação dos direitos humanos, das normas laborais e ambientais no contexto do comércio e investimentos dos Estados partes, por estabelecimentos empresariais, especialmente negócios de vulto, tal como relatado no Estudo de Base da Comissão;

RECONHECENDO que as actividades dos negócios de vulto têm frequentemente impactos adversos nos direitos dos povos e comunidades, bem como a necessidade de um quadro regional eficaz para impedir e combater os abusos dos direitos humanos relacionados com empresas e assegurar o acesso a soluções eficazes para os afectados, incluindo no contexto das actividades de comércio e investimento ao abrigo da AfCFTA;

RECORDANDO NESTE CONTEXTO as Partes III e IV das suas Directrizes para a Elaboração de Relatórios do Estado, que sublinham, entre outros, o dever de os Estados adoptarem medidas para fiscalizar e fazer respeitar os direitos humanos por estabelecimentos empresariais, e de realçarem as obrigações das empresas, em particular as multinacionais, para com os titulares de direitos, além do voluntarismo;

A Comissão Africana:  

1.Apela à UA a:

(a)ter em conta e a reflectir adequadamente na actualização e finalização do Quadro de Políticas da União Africana sobre Negócios e Direitos Humanos, todos os instrumentos jurídicos não vinculativos da Comissão Africana acima referidos, bem como o novo contexto operacional da AfCFTA, e, a este respeito, a Comissão Africana oferece os seus conhecimentos para apoio a esse processo; e

(b)actualizar, consoante o caso, a Estratégia Regional Africana da Economia Azul que incentiva os Estados a adoptarem uma abordagem baseada nos direitos humanos, relativamente ao desenvolvimento e à concretização dos quadros nacionais da economia azul;

2.Decide:

(a)integrar, tanto quanto possível, a questão dos negócios, comércio e direitos humanos, bem como da durabilidade dos oceanos, na agenda das suas sessões públicas ordinárias, e a este respeito, incumbe o Grupo de Trabalho sobre Indústrias Extractivas, Ambiente e Direitos Humanos em África (WGEI) e o Grupo de Trabalho sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (WG-ECOSOC), ambos da CADHP, dessas responsabilidades;

(b)Que o WGEI deve trabalhar urgentemente com órgãos pertinentes da UA, tais como o Secretariado da AfCFTA, a Rede de Instituições Nacionais de Direitos Humanos, agências relevantes das Nações Unidas, e outras partes relevantes interessadas em questões de direitos humanos a fim de lidar com as lacunas dos Estados membros da UA no que se refere ao cumprimento das suas obrigações em matéria de direitos humanos e empresariais, incluindo nos termos da Carta Africana e de instrumentos jurídicos afins não vinculativos, por meio de campanhas de defesa de políticas e da concepção de reformas políticas, legislativas, institucionais e regulamentares pertinentes;

(c)Que o WGEI e o WG-ECOSOC, trabalhando em conjunto com todos os outros Mecanismos Especiais relevantes da Comissão, devem valer-se dos pertinentes padrões normativos da Comissão, do Estudo de Base da Comissão e do Acordo AfCFTA, e preparar o projecto de Instrumento Regional Africano Legalmente Vinculativo para Regulamentar as Actividades das Corporações Transnacionais e outras Entidades Empresariais, com vista a garantir a responsabilização e o acesso a reparação por violações dos direitos humanos relacionadas com empresas em África, com especial realce para as populações marginalizadas e vulneráveis; e

(d)Que o WGEI deve colaborar activamente com as partes interessadas relevantes na promoção de uma plataforma continental de apoio à aprendizagem e ao intercâmbio de conhecimentos entre pares, através do Fórum Africano Anual de Negócios, Comércio e Direitos Humanos;

(e)Que o WGEI e o WG-ECOSOC, no desempenho das responsabilidades acima mencionadas, devem trabalhar em conjunto com todos os outros Mecanismos Especiais relevantes da Comissão; e

3.Lembra aos Estados partes que devem utilizar as Directrizes para a Elaboração de Relatórios de Estado na redacção dos respectivos relatórios periódicos de acordo com o artigo 62 da Carta Africana.

Feito virtualmente, a 07 de Março de 2023